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A conquista que virou treino

Em 2010, eu, Afeto e Zé Márcio começamos a conquista de uma via tradicional na face norte de Calogi. A via, batizada de “Guana nos olhos dos outros é refresco”,  transcorre por um único sistema de fenda que corta a pedra na parte mais vertical (para não dizer negativa) da base até o cume. Na ocasião, encerramos a investida na base do grande teto. E assim ficou o projeto, parado no tempo…

Os anos se passaram e nós nunca mais voltamos. Em parte porque a aproximação é enjoada, ainda mais com toda a tralha de conquista e também porque a via é nervosinha.

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Aproximação pesada. Melhor ainda no verão! Pouco quente…

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Esse lance deve dar um 4o grau de trepa-mato. Se tiver cobra ou aranha, sobe um pouco a graduação.

Ontem, correndo contra a frente fria que estava prometida para o final do dia, eu e o Afeto resolvemos voltar à via para tentar termina-la de vez!

Indo contra a 1a regra de montanha, acordamos tarde e chegamos tarde na base da via. Mal de escalador esportista… Além disso, sofremos à beça na aproximação. A combinação mochila pesada (cadê os sherpas?) e calor sufocante acabou conosco antes mesmo de começar a via.

Assim, entramos na via por volta das 10h.

A primeira enfiada é bem tranquila, só é estranha, mas tranquila. A segunda, já não é tão tranquila assim. É uma enfiada de 30m por um diedro, toda em móvel, que ora fica negativo, ora positivo com largura que varia de meio-corpo a fenda de punho. Só sei que bombei antes mesmo de colocar a primeira proteção, num lance enjoado em negativo, depois fui me arrastando até a parada. Cheguei morto!

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Acabei com o sonho do Afeto! Piadinha idiota…

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Nessas horas o bom é ter muitos amigos! Piadinha idiota 2.

Para a minha sorte, a 3a enfiada era do Afeto. Outra enfiada nervosa toda em móvel. Lances aéreos com um crux de pressão quase no final da enfiada. Deu vertigem só em jumarear a enfiada, ainda bem que fui de segundo!

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Afeto no começo da 3a enfiada. Não era uma boa hora para tirar fotos…

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Jumareando a 3a enfiada e fazendo pose para foto. Foto: Caio Afeto.

A 4a enfiada é uma coisa estranha. É um lugar aéreo onde me sinto totalmente fora da minha zona de conforto e segurança. Começa com um lance em artificial com colocações estranhas e depois sai em livre passando por um lugar que sempre está molhado! Maldição!!! Depois disso, continua a travessia por baixo do teto do jeito que der, em livre, artificial, roubando… Até uma parada que batemos no final da travessia. Se a via já era aérea, essa parada é estratosférica porque a parada fica suspensa no negativo. Dá para ver o chão lá na pqp…

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P3. Se eu já estava cagado, fiquei mais ainda ao ver o estado das chapas.

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Afeto na P3 só curtindo a desgraça alheia.

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Travessia por baixo do grande teto. Ultimo lance em artificial antes de entrar em livre. Coração na boca. Foto: Caio Afeto.

Assim que o Afeto chegou na P4, o tempo virou definitivamente. Olhamos para cima, olhamos para a cara do outro e falamos: acho que está chovendo, é melhor descer… E zarpamos fininho dali mesmo. Se a travessia foi ruim, dali para cima a coisa parecia ser bem pior. Então, até que a chuva chegou na hora certa…

Descemos protegidos pelo teto num rapel vertiginoso de 60m até a base da via, esperamos a chuva passar e voltamos para casa com o rabo entre as pernas sem ter feito cume… Mais uma lição de humildade da montanha…

Guana

Não sei graduar fenda, pessoalmente parece muito mais, mas deixamos por baixo. A 1a e a 2a enfiada foram liberadas.

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