Bivaque na montanha

Durante a repetição da Chaminé Brasília na Pedra da Agulha em Pancas, Gustavo, Lívia e eu tivemos que fazer um bivaque programado na P7 para fazer o ataque ao cume no dia seguinte.

Dias depois, a escaladora de Cachoeiro e leitora assídua do blog, Joyce, me procurou para falar mais sobre “bivaque”, então como a dúvida de um pode ser a dúvida de muitos, resolvi fazer um post sobre o assunto.

Não sou especialista em sobrevivência, nem expert em bivaque. Até porque bivaque, como o nome diz, é um acampamento provisório, por vezes planejado e em outros casos, não planejado.

Quando o bivaque é planejado, tudo fica um pouco mais fácil porque a gente vai “preparado” e tem um cuidado maior na logística. O grande problema são os não planejados, pois nesse caso há grande chance de não ter tudo a mão para o pernoite.

Bivaque planejado na Pedra Paulista durante a conquista da via “Despedida de Solteiro”.
Bivaque na mesma via, porém durante a terceira investida.

Um dos elementos mais importantes no bivaque é, sem dúvida, o clima. Bivaque na praia é uma coisa, bivaque na montanha, com chuva, vento e frio é outra experiência. Por isso, antes de sair de casa, sempre é muito importante considerar que tipo de condições irá encontrar à frente. E o mais importante, o fato de o dia estar ensolarado e quente não quer dizer que a noite será estrelada e sem vento. Um bivaque normalmente acontece porque alguma coisa não saiu dentro do planejado e um dos fatores pode ser uma virada brusca do clima. Por isso, é muito importante consultar a previsão do tempo antes de sair de casa. 

Aqui no Espírito Santo, em geral, escalamos montanhas no inverno, quando o clima é mais ameno. Sob condições normais, o clima é agradável de dia e a noite faz um pouco de frio, mas nada inferior a 15 graus Celsius. No entanto, na montanha, sob condições adversas, até mesmo uma noite a 15 graus Celsius pode se tornar um problema se estiver ventando e chovendo ao mesmo tempo.

Nesse sentido, outro aspecto importante a ser considerado, além do clima, é a geografia da região. Por exemplo, sei que um bivaque nas montanhas capixabas é totalmente diferente de um bivaque no Itatiaia (RJ). Considere 0,65oC a cada 100m de altitude. Ou seja, se estiver 20oC ao nível do mar, numa montanha da 600m de altitude, a temperatura será na ordem de 16oC.

Como a maioria dos meus bivaques foram em clima mais ameno, as experiências e materiais usados são para essas condições e provavelmente não servirão em outras regiões.

Primeira coisa que aprendi sobre bivaque! Não existe bivaque confortável. Bivacar não o mesmo que dormir numa cama. Se fosse, não ia se chamar bivaque! Você dorme no bivaque porque está cansado, não porque é confortável. Mas o que podemos fazer é deixar o ambiente minimamente aceitável e seguro, principalmente no que se refere a perda de calor corpórea. Acho que o maior perigo de um bivaque é o frio. Passar fome a gente aguenta, sede também dá para levar por uma noite, mas o frio é um elemento muito perigoso. O frio mata de verdade!

Bivaque no cume da Pedra do Farol com chuva.

A gente perde calor basicamente devido à baixa temperatura, vento, umidade e água (chuva). Por isso, uma das coisas mais importantes na montanha e se manter seco. Sob certas condições, até o próprio suor que geramos (água) pode ser um vilão. Nesse sentido, sempre que vou à montanha levo comigo uma manta térmica que será a minha barreira contra a perda de temperatura e proteção contra o vento.

No mercado há diversas mantas a preços bem acessíveis. Algumas são prateadas nos dois lados e outras são prateadas num lado e douradas no outro. O lado dourado serve para situações de calor extremo onde você precisa manter a temperatura corpórea baixa e evitar a desidratação. É uma manta mais difícil de achar, mas como o preço é semelhante, vale a pena dar uma procurada.

Uma coisa que é importante sobre a manta é que com o tempo e a forma de acondicionamento, é comum a película de prata se soltar do filme plástico e ficar transparente, perdendo parte da eficiência térmica. Por isso, é sempre bom, de tempo em tempo, dar uma olhada e se for o caso adquirir uma nova.

Dormir enrolado na manta térmica é bem desconfortável. Mesmo dormindo numa cama com uma manta será desconfortável. Primeiro que essas mantas fazem muito barulho a qualquer movimento ou vento. Se a pessoa tiver sono leve, com certeza irá se incomodar com o próprio barulho e/ou dos outros que estão usando.

O princípio de funcionamento da manta é bem simples. A manta não é um cobertor. Ela aquece porque não deixa sair o calor que você produz. Se você estiver deixando escapar calor, a manta não será útil. Por isso, se estiver muito frio, é preciso se enrolar de tal forma que não perca calor para o meio externo. O alumínio tem a função de refletir de volta o calor que você produz. Por isso, se sua temperatura corpórea estiver muito baixa, a manta será menos eficiente.

Bivaque com chuva na Pontuda de Arapoca em Castelo.

Uma das formas de perder calor para o meio externo é pelo chão. Manter um mínimo de isolamento do solo é essencial. Como é um bivaque, provavelmente você não estará levando um colchonete ou isolante. Nesses casos, costumo usar a corda de escalada para fazer um forro e usar o costado da mochila que, em geral, vem com uma espuma, com propriedades isolantes.

Uma segunda opção às mantas térmicas são os sacos de bivaque feitos com material semelhante à manta. A vantagem é que esses sacos são fechados, como se fosse um saco de dormir, o que garante maior eficiência térmica, já que há somente um buraco por onde você pode perder calor. Outra vantagem é que esses sacos são superdimensionados, permitindo guardar mais alguns itens dentro, como uma mochila ou algum equipamento que não pode molhar. As desvantagens são: preço maior, custa o dobro ou triplo em relação à manta; é mais difícil de achar no mercado; e é pouca coisa mais volumosa.

Utilizando corda e mochila para isolar do chão.

Costumo levar essa manta saco onde veja que as condições climáticas são mais adversas e há maior chance de algo acontecer. Para os dias normais, como uma ida a uma falésia, sempre levo somente a manta que é mais compacta.

Caso preveja um bivaque num lugar mais frio, por questão de peso e volume, não deseja levar um saco de dormir, recomendo adquirir um liner. Liner são lençóis bem finos, com propriedade térmica. Quando combinado com um saco de bivaque oferece uma boa retenção de calor, trazendo um pouco mais de conforto, além de ser muito compacto quando acondicionado.

Vale lembrar que as mantas também podem ter outras funções, como servir de toldo para montar um abrigo e/ou montar um sistema de captação de água potável.

Utilizando uma manta dourada para improvisar um abrigo em Afonso Cláudio.

Em suma, as regras para um bom bivaque na montanha são: estar preparado, se manter seco, aquecido e ter ótimo humor!

Bom bivaque!

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2 respostas em “Bivaque na montanha”

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