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Crônica de um Red Point

^ Lissandro trabalhando os movimentos da “Expresso da Meia-noite” (8a) que neste dia teve uma ascensão à vista do Dante, vulgo “Geléia”.

No início deste ano, abri um novo projeto chamado “Moedor de Dedo” entre as vias Linha Final (8b) e Batida Macabra (9a) em Calogi. A linha vinha sendo namorada há bastante tempo, provavelmente desde a época da conquista das vias adjacentes, mas devido ao fato de a via passar muito rente a uma árvore nunca animamos de colocar o projeto em prática. Já tínhamos uma via chamada “Corredor Polonês” (9a) que passa rente a outra árvore e sabíamos como é escalar com uma árvore no cangote. Mas uma hora a coragem e a curiosidade falam mais alto do que o bom senso…

Após a equipagem, sabia que a linha tinha ficado dura, na ocasião não consegui nem reunir forças para tirar as passadas. Foi preciso passar um tempo para eu esquecer quão as agarras faziam jus ao nome para voltar lá e tentar isolar todos os movimentos.

Não lembro quando foi essa vez, mas lembro claramente que na ocasião não consegui dominar um abaulado ruim (existe abaulado bom?) nem fazer o link do projeto para Batida Macabra (o projeto começa independente e no final linka com a Batida Macabra (9a)). Também lembro claramente que desci da via muito frustrado por não ter isolado o lance, pelo simples fato de não ter pressão nos dedos para “ficar” nas agarras. E lembro que pensei: vou precisar melhorar a minha base para poder ter chance nesse projeto.

Enquanto trabalhava a base para conseguir mandar o projeto, o Felipe Alves foi lá e mandou a via em poucas tentativas, após ter quase mandado à flash. Segundo ele, foi preciso “fazer força” para mandar a via e sugeriu 9b/c. Quando Felipe diz que tem que fazer força nunca é um bom sinal para o resto do pessoal…

O tempo passou e no último mês foquei as minhas escaladas e os treinos nessa via. Durante um mês, além de trabalhar exclusivamente boulder de ponta de dedo, fiz uma seção intensiva de “pele”, fazendo maratona de 6 a 8 vias por dia em Calogi. Tudo para ter “a ponta de dedos dos sonhos”.

Feito isso, na semana passada resolvi entrar novamente no projeto. Neste dia, o tempo estava horrível com muito calor e umidade, mas mesmo assim consegui dar 3 pegues na via. Um para relembrar e mais 2 pegues à muerte! Mas não foi dessa vez, entretanto fiquei muito feliz com a minha pele que aguentou bem o “arregaço”.

Mais uma semana de treino, dessa vez mais leve para poupar e finalmente no último sábado voltei novamente à via. A minha pele estava invejável e impecável.

Na sexta a noite, o mundo virou em Vitória, com chuva e ventos de 120km/h varrendo a cidade e levando à destruição, mas Calogi tem um campo de força que a protege contra o mal tempo. Por isso, no dia seguinte, mesmo com tudo, absolutamente tudo molhado, fomos confiantes. Alias, neste dia tinha muitos confiantes que apostaram as fichas na fama de Calogi e compareceram em peso.

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Poul trabalhando a via Transiberiana (9a), enquanto isso a farofa comendo solto na base. Detalhe para o Juquinha!

Com a chuva da noite anterior, mais as chuvas da semana, a pedra acabou sucumbindo e muitas vias ficaram molhadas, menos o meu projeto pessoal e mais 4 vias!!! Foi surreal ver a via totalmente seca entre duas tarjas preta de água escorrendo. Mesmo assim, achei por bem deixar secar mais um pouco com o vento e o sol para só entrar no final do dia.

Passar o dia esperando a condição perfeita exige muita paciência e auto-controle. Sabia que a melhor hora seria bem no final do dia quando a temperatura fica mais amena, mas também sabia que se eu falhasse teria menos tempo para descansar entre as tentativas. Passei o dia mantendo o aquecimento basal e controlando a pele enquanto apresentava o Calogi ao italiano Leo que caiu de paraquedas no Espírito Santo (na verdade ele veio fazer doutorado na UFES).

No final do dia, dei uma volta gigante, rapelei pela via para colocar as costuras e dar uma escovada nas agarras do crux. Esperei mais um pouco e quando a temperatura estava perfeita entrei na via na segue do Amaral.

Nesse dia acordei inspirado, pois de manhã cedo vi a notícia de que o Adam Ondra tinha despachado a 14a e a 15a enfiada da via Dawn Wall em Yosemite e aquilo me serviu de motivação para tentar com gana o projeto. Mentalizei algo como: porque não eu também?!

Entrei na via feliz e na 2a costura senti que estava bem para mandar a via. Apertava as agarras pequenas que antes eram ruins e agora pareciam algodão doce graças a pele perfeita. Cheguei no descanso e tive uma boa sensação; entrei na sequência crux e simplesmente sai comendo as agarras pequenas. No lance do abaulado nojento que me derrubou no início do ano, nem esbocei força e até dispensei um deadpoint. E no lance que me derrubou 2 vezes na semana passada ainda consegui passar um magui e quando me dei por conta já estava finalizando o crux e fazendo a travessia para Batida Macabra. Uma vez nela, eu já estava em casa, pois nesse trecho final era como jogar em casa. Apenas me mantive concentrado para mandar o crux dela e depois, antes mesmo de chegar na parada, já comemorei a kadena.

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Depois da chuva, os cogumelos… Dizem que todos os cogumelos são comestíveis, porém alguns, apenas uma vez.

E assim, após dez meses, finalmente consegui fechar um longo ciclo de muito trabalho, esforço e acima de tudo determinação para mandar esse projeto pessoal.

Agora pretendo dar uma descansada nos dedos que sofreram muito nas últimas semanas e focar os trabalhos na trip de final de ano.

Não costumo escrever sobre as minhas “cadenas” por achar muito pessoal, mas dessa vez quis compartilhar um pouco o processo para servir de inspiração para outras pessoas. Pois vejo que muitas pessoas acham que eu escalo muito, mas o que as pessoas talvez não saibam é que eu treino muito para atingir as metas que eu estabeleço. E os resultados são apenas o reflexo do treinamento diário. Afinal de conta, ninguém nasce escalando forte. O que faz o escalador ficar bom é a rotina de repetição!

Falando em inspiração, saiu recentemente um vídeo muito legal sobre a escaladora francesa Caroline Ciavaldini! Vale a pena! Ah, e vale a pena até uma pipoca, porque tem meia-hora!

Boa semana!

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Eric dando uma aquecida na via “Optimus Prime” (6o), uma das poucas vias que escapou da chuva.
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E o sol voltando após a tempestade.
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Poul na eterna batalha contra a via “Transiberiana” (9a).

Comentários

4 respostas em “Crônica de um Red Point”

Dale Naoki, cadena mais que merecida man!! Parabéns pela linha, incrível, buena lucha!!

Parabéns pela cadena Naoki san! Lembrei do espanco que vc levou nas primeiras entradas… era um dia molhado, tomamos chuva na cabeça, o pó dos furos colmatado por todos os lados e a linha sequinha chamando que nem uma arapuca atrai o passarin kkkk. Mto massa o post e ver a galera em peso lá em calogi!

Afinal, confirmou mais um 9c?
Abs

Vlw Gillan! Kkkkkk! Boa arapuca por sinal! Entao, 9b ta de bom tamanho! Abs

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