Dedinho free

Estilo

Na escalada, existe uma coisa que se chama “estilo”, que é a maneira, forma ou modo com que um escalador realiza uma ascensão. Cada escalador tem um estilo, ou pelo menos, cada um deveria ter o seu. Afinal de conta “estilo é tudo”. Por exemplo, recentemente, alguns escaladores japoneses, incluído o famoso escalador Yuji Hirayama, repetiram alguns boulders famosos do Japão sem o uso de crash pad, pois na época que estes boulders foram abertos, não se usava crash pads. Então, acharam que seria mais justo repeti-lo à moda antiga. Outro exemplo que me veio à mente foi quando Adam Ondra falou que entrar com a corda passada na primeira, segunda ou terceira costura numa via esportiva era um estilo “pobre” e causou um grande alvoroço nas redes sociais. O fato é que estilo é algo pessoal e cada um tem o seu. Algumas pessoas copiam e outras criam o seu. No fim, o que importa é saber respeitar o estilo de cada pessoa e escalar de forma ética.

Eu tenho meu próprio estilo, aprendi desde cedo a valorizar isso, pois por sorte tive bons mentores e desenvolvi ao longo dos anos um estilo próprio de ascensão. Um estilo que aprecio bastante, por exemplo, é sempre tentar escalar uma via em livre. Pessoalmente considero uma ascensão “pobre” qualquer tipo de progressão em artificial, seja uma pisada no grampo, um “hang dog” ou ainda um furinho de cliff. Para mim, o melhor estilo é aquela ascensão à vista com proteções móveis apenas para segurança. É claro que nem sempre é possível fazer ao melhor estilo, mas sempre tento aplicar esses valores nas minhas escaladas.

Dedinho

Em março de 2015, Gillan e eu repetimos uma via clássica do Espírito Santo, a via Inferno na Torre, nos Três Pontões de Afonso Cláudio. Essa via, que faz o cume do “Dedinho”, foi conquistada em 1996 pelos escaladores Roberto Tristão e Gilberto Azevedo e é considerada, até os dias de hoje, um dos clássicos da escalada capixaba. Inclusive, recentemente essa via entrou na seleção das 50 melhores vias do Brasil.

A via possui seis enfiadas, sendo a 4ª toda em artificial fixa (A1) com grampo sobre grampo. Por muito tempo vários escaladores almejaram liberar essa enfiada de aproximadamente 35m para deixar a via toda em livre (das 6 enfiadas, esse é a única em artificial). A primeira pessoa que tentou libera-la foi o meu amigo Caio Afeto em 2009. Na ocasião, ele foi até o primeiro buraco quando um enorme bloco se soltou e quase atingiu o segue (DuNada). No ano passado, o Amaral e o Dante resolveram reascender o projeto fazendo uma investida com foco em librar essa enfiada. Na ocasião, o Dante mandou à vista a enfiada e realizou a primeira ascensão em livre da via. Em maio deste ano, o Amaral voltou à via novamente na companhia do “Chuck” e realizou a 2ª ascensão em livre. Um fato interessante é que durante essa repetição, o Amaral tirou um dos grampos do artificial com a mão… Ele estava soltinho…

A escalada

Na semana passada, o Eric me perguntou o que estava aprontando para o final de semana. Teoricamente iria para o Calogi, pois na semana passada, depois de passar muito calor na pedra, tinha prometido a mim mesmo que iria fazer algo mais light, mas eu não consigo negar uma roubadinha, ainda mais agora que a temporada chegou com força. Fiz uma lista de opções para ele escolher, para depois não falar que eu meti ele numa enrascada. No “palitinho” ele acabou indo direto para “cereja do bolo” da escalada capixaba, o “Dedinho” de Três Pontões de Afonso Cláudio

Eu já tinha feito a via, mas ainda não tinha passado em livre, na ocasião escalei em livre só a parte inicial e depois toquei em artificial. E agora que o Dante e o Amaral abriram a porteira, era a oportunidade que estava precisando para refazer a via num estilo melhor. E para o Eric seria a primeira vez dele nessa via muito almejada por todos.

Combinamos que escalaríamos a via em bate-volta, fazendo um longo dia de estrada e escalada.

Saímos de Vitória pontualmente às 4h30 e três horas depois, estávamos estacionando o carro aos pés da imponente pedra. Tomamos um rápido café da manhã ali mesmo e às 8h iniciamos a caminhada de 20 minutos até a base da via. Toquei a primeira enfiada emendando com parte da segunda, fazendo uma parada em móvel mais acima, assim evitamos fazer a P1 em grampo simples e ganhamos preciosos minutos para tocar o resto em “francesa” até a base do Dedinho.

Imponente face sudeste da pedra.
Uma selfie antes da escalada.
Aproximação pelo costão úmido, emoção extra para começar o dia.

Chegamos na base do Dedinho por volta das 9h30 e toquei a enfiada do artificial em livre. Eu só conhecia a primeira parte em livre, então a segunda teve que ser à vista mesmo. Quando o Dante liberou a via, ele sugeriu 7c para enfiada, mas o Amaral achou que fosse mais, 8a. Então botei na cabeça que não era nenhum “bicho de sete cabeça” e fui tocando. O que mais me incomodava eram os grampos velhos (todos estão com palheta de alumínio) e as agarras podres. Para mim, o crux está logo depois da dominada do teto, onde é preciso sair da linha do artificial e seguir em livre por fora, pulando pelo menos um grampo. É um lance que exige leitura e exposição em agarras “estranhas”, o resto para cima é bem tranquilo e sem muito mistério. Pessoalmente acho que 7c seja um grau justo para enfiada.

Eric chegando na P5.

Como o Eric chegou podre na P4 depois de vir de segundo, para ganhar tempo toquei a 5ª enfiada que é bem curtinha. Chegamos na base da última enfiada por volta do meio-dia e o Eric pegou a ponta para tocar a última enfiada.

Piton da 5a enfiada. Pode confiar!

Desde que começamos a escalada, um casal de Águia Chilena acompanhava a nossa escalada circulando a montanha e dando seu grito típico, mas assim que chegamos na última enfiada as águias começaram a ficar mais agressivas a ponto de dar alguns rasantes no Eric. Não sei se tinha algum ninho na redondeza, mas elas estavam bem belicosas. Sobrou para o Eric que tinha a ponta da corda para guiar um lance aéreo em móvel com as águias tirando fino dele. Só para se ter uma ideia, a envergadura desses bichos chega facilmente a 1,5m. O Eric ficou um bom tempo “fritando” na virada da aresta com medo das águias e do lance estranho à frente. O medo dele era a águia dar uma bicuda enquanto estivesse no esticão e no susto cair.

Viradinha da aresta. Um olho nas águias e outro na fenda.
Águia chilena nos rondando.

Como eu já estava mais acostumado com esse tipo de “ameaça”, quando era criança nós brincávamos de ver quem chegava mais perto do ninho de “Quero-quero” sem tomar uma “esporada”, peguei a ponta e toquei a última enfiada. Quando entrei no lance, por incrível que pareça, nenhuma águia nem chegou perto de mim e pude escalar com tranquilidade. Na verdade, a essa altura, eu estava mais preocupado com o calor do que com as águias. O Eric concluiu que o que estava assustando as águias era a camiseta vermelha que ele estava vestindo. Touro, águia… Tudo a mesma coisa, ne? E como eu estava de verde não aconteceu nada comigo. Ele estava tão crente disso que quando foi de segundo em direção ao cume ele tirou a camiseta vermelha e foi só com a camisa branca que vestia por baixo para “não irritar” as águias. Tem cada teoria nesse mundo…

Eric no cume, sem a camiseta vermelha…

Chegamos no cume da montanha por volta das 13h e nada das águias com suas garras tentando nos esquartejar. Ficamos um bom tempo curtindo a vista e depois da tradicional foto do cume iniciamos a longa descida e a estrada de volta até Vitória.

Alto? Só um pouco.
Assinando o livro de cume.
Foto no cume!
Aquele rapel que dá medo…

Para mim, “os cumes” dos Três Pontões, na verdade são quatro cumes, são as mais belas do Estado e as vias que a levam estão também entre as melhores. Não é à toa que o Dedinho está entre as 50 vias mais clássicas do Brasil segundo o livro do Daflon.

Sempre é muito gratificante voltar a essa montanha, tenho um apreço e respeito muito grande por ela. Infelizmente, ou felizmente, é uma montanha um pouco esquecida pela comunidade e pouco frequentada, mas quem já foi sempre quer voltar!

Comentários

3 respostas em “Dedinho free”

Kkkkkkkkk te falar que essa águia chilena já perseguiu o Brito quando ele saltou da pedra da onça… Tem que ficar de olho mesmo ?

Hahahaha muito bom!
Você só não comentou que minha estratégia funcionou!!! Depois que tirei a camisa vermelha a águia nos deixou em paz…
Valeu japa! To te devendo essa kkkk

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