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Em busca do Santo Graal

Num dado momento notei que escalava mais devagar do que o usual. Poderia ir mais rápido, mas isso não me interessava. Não tinha pressa, não tinha a gana usual de querer terminar a escalada. Estava calmo, em paz, curtindo. Nessa hora notei que eu escalava “procrastinando”. Era para cima que tinha que ir, mas não queria ir porque se eu fosse, logo acabaria. Era como se estivesse vivendo no sonho sem querer acordar.

Talvez, essa sensação seja a melhor forma para tentar explicar o que é o “Santo Graal, a nova via que Iury e eu estamos trabalhando na Pedra  Schmith, em Pancas.

Duas semanas atrás conquistamos o Totem Schmith abrindo a via Pote de Ouro, que por si só já é uma grande escalada. Escalada estrelar! Mas naquela ocasião sabíamos que aquela miríade de fendas tinha muito mais a oferecer. O Pote de Ouro é uma escalada natural que usa o sistema de fendas mais óbvio da parede, mas sabíamos que ainda tinha mais joia escondida naquele totem. 

Com isso em mente, voltamos ao totem com duas missões: explorar os outros sistemas de fendas do totem; e dar continuidade para cima, depois do totem, buscando o cume pela face da pedra.

Inicialmente não tínhamos intenções de fazer o cume porque o trecho final parecia ser igual às outras escaladas de Pancas, só que numa parede muito mais inclinada. Sabíamos que 10m acima do totem a rocha mudaria de textura e iria ficar sem agarras como em todas as montanhas de Pancas, mas algo nos chamava. Uma pequena esperança nos fazia imaginar o não imaginável. 

Dessa vez chegamos na base da montanha sem surpresas. O vento estava soprando de nordeste, o que nos deu um certo alívio de que não teríamos surpresas desagradáveis. Quando o vento vem de leste, normalmente chove pela manhã. Fica a dica! Mesmo assim, a rocha estava úmida na saída. Como tinha chovido nos dias anteriores e a pedra fica na sombra grande parte do dia, sombra a tarde, a pedra custa um pouco a secar completamente.

Começamos a nova conquista usando uma saída paralela à esquerda da Pote de Ouro, buscando um sistema de laca até uma árvore grande que seria a P1 natural.

A primeira laca aceitou boas colocações, mas a segunda se mostrou cega e tive que bater uma chapa para proteger o lance. 

A segunda enfiada seria um link para voltar ao diedro da Pote de Ouro. O trecho tem uns 12m, mas tem uma fissura de ponta de dedo incrível com uma passada bem interessante. Como voltei novamente ao Pote de Ouro, não pude estabelecer uma parada fixa no platô, então acabamos montando uma parada móvel bem na base do totem.

Seguimos pelo diedro da Pote de Ouro e em vez de virar para face, seguimos pelo diedro em chaminé. A chaminé é bem protegida, mas muito estreita e vertical. A ideia era ir pela lateral do totem o tempo todo, mas mais acima, duas pedras muito suspeitas ficavam na mira do segue. Momentos antes, sem querer, acabei jogando uma pedra para baixo que bateu nas costas do Iury. Por sorte não tivemos um desfecho pior, por isso fiquei cabreira com as lacas. Certamente se essas caíssem, não iriam sair barato como da primeira vez.

Bati uma chapa e equalizei uma parada com as peças na base dessas lacas, estabelecendo a P3.

Dali para cima, sabia que se eu virasse a aresta novamente iria pegar uma fissura frontal de dedo que passa paralela à fenda de mão da Pote de Ouro. Então virei a aresta e toquei pela fissura de dedo “lambendo os dedos”. Mais acima, quando a fissura acabou, optei em voltar novamente ao diedro da direita para fazer uma oposição final e logo em seguida voltar à parada da Pote de Ouro. Se a descrição ficou confusa, deem uma olhada no croqui abaixo!

Na última enfiada do totem tocamos pela Pote de Ouro, o totem vai se estreitando no fim e não tem muita opção senão seguir pela única linha.

Chegamos no cume do totem por volta das 13h. Iniciamos a escalada por volta das 8h.

Fizemos um longo descanso para beber alguma coisa e fazer um almoço de domingo a base de barrinha de cereal e carbo gel.

Olhamos para cima e iniciamos a segunda parte da missão: investigar a parte superior da pedra. Os primeiros metros estavam garantidos. Uma bela oposição nos levava em diagonal à direita e depois parecia que ainda tinha um pouco de agarras.

A oposição ficou muito incrível. Lances técnicos com boas colocações e uma boa dose de pressão nos pés me levou à direita da parada. Ali troquei a chave do “modo fenda” para “modo escalada” em aderência”. Confesso que a “partida” custou a “pegar. Mas a memória psico-motora recuperou rapidamente e logo fui ganhando terreno.

Duas chapas depois cheguei bem onde a rocha muda de textura. Mas por incrível que pareça, parecia que estávamos num corredor de agarras, pois a linha permitia seguir usando os diversos pequenos buracos que iam se interligando. Olhei para os lados e logo percebi que esses buracos estavam restritos a onde estávamos. Parecia que tínhamos encontrado a passagem secreta. Toquei para cima batendo mais 6 chapas até chegar num pequeno platô com fezes de cabrito????? Impossível! Nenhum cabrito do mundo chega ali! Tinha conquistado 35m de VI grau e para cima tinha pelo menos mais uns 50m de VI grau constante, como um cabrito chegou ali?

O cabrito pode chegar ali, mas eu cheguei um “caco”. Bati a parada e encerramos o dia de trabalho.

Confesso que há uma sensação de negligência quando escalamos essas vias mais curtas. O totem não tem mais do que 120m de altura. Em geral, em Pancas, escalamos 120m num “tapa”. Então ficamos achando que 120m se escala rapidinho, menos num totem que tem quase 90 graus de inclinação e longos trechos em móvel.

Segundo os dados do drone ainda há um trecho de uns 30m de pancadaria e depois a pedra perde inclinação. E mais uns 80m e devemos bater no cume.

Por hora estamos estudando a melhorar estratégia para fazer esse ataque final. Inclusive com a possibilidade de abrir algumas variantes no trecho do totem para chegar no “kingline”.

Dessa vez o post não tem fotos, porque não tirei nenhuma foto da escalada. Quis deixar de lado a parte do registro e focar apenas na escalada.

Sobre o nome da via Santo Graal, a ideia surgiu durante a descida numa alusão as aventuras do Rei Arthur em busca do Santo Graal, fazendo uma metáfora à busca da linha mágica.

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