Lenheiro!

Em 1993 (?) saiu a 2a e última edição da revista Escalada (?), uma das primeiras (?) publicações especializadas em escalada no Brasil. Na capa, aparece o escalador “Nativo” do Paraná no famoso agarrão da Lamúrias de um Viciado (7c) na Serra do Cipó. Lá dentro, nas páginas internas, na mesma edição, há uma matéria sobre as escaladas na Serra do Lenheiro, descrita como um paraíso para os amantes da escalada móvel em quartzito, próxima à cidade de São João Del Rey, MG.

Desde então, aquela matéria e as fotos impressionantes nutriram o meu imaginário e Lenheiro entrou para o hall dos picos que eu queria conhecer.

Foi preciso quase 28 anos para essa oportunidade chegar sob forma de um telefonema do Eric. Um dia, ele me ligou propondo fazer um bate volta de final de semana em Minas. A ideia era ir de avião, alugar um carro e escalar no sábado e domingo. O plano original era ir para o Cipó pela proximidade em relação ao aeroporto, mas como o Eric não nega uma fendinha, plantei a semente do Lenheiro. Não preciso nem dizer que germinou sem água!

A ideia era boa, mas seria um plano cansativo, pois Lenheiro fica a 190km do Aeroporto de Confins, enquanto o Cipó a menos de 1h de carro, mas no fim prevaleceu a chance de escalar nas fendas de quartzito e conhecer um pico que estava esperando há quase três décadas!

Os Três Pontões ficam na Serra do Lenheiro, dentro do Campo Escola de Montanha (CEMONTA), pertencente ao 11o Batalhão de Infantaria de Montanha, ou seja, uma área militar, por isso para acessar o pico é preciso fazer uma solicitação prévia. Assim, uma vez que definimos o plano, corremos atrás das papeladas. Depois, fomos atrás de um lugar para ficar e acabamos descobrindo o Abrigo Lagos (@abrigolagos) dos escaladores Pedro e Mari, onde fizemos a nossa reserva para o final de semana. O Pedro foi muito solícito e nos ajudou bastante a desembolar a autorização junto ao exército e deu todas as dicas necessárias para chegar até a cidade.

Na sexta-feira, pegamos a estrada de BH até SJDR e chegamos no abrigo por volta das 23h, após 3h de estrada.

Sábado

Já no sábado de manhã acordamos sem pressa e fomos em direção à pedra por volta das 9h com o Pedro e a Mari. Mais uma vez a ajuda do casal foi muito bem-vinda para nos apresentar o pico. Assim que chegamos ao local, o Pedro nos levou para dar um rolê pelo pico onde foi apresentado todas as opções e recomendações.

Abrigo Lagos.
Café da manhã!
Aproximação.
Pintura rupestre.

Resolvemos abrir os trabalhos na via “Dança Macabra”, um V SUP que está nas “50 Clássicas dos Brasil”. De longe me pareceu uma escalada inofensiva: parede positiva e fenda do início ao fim.

Carreguei o rack e comecei os trabalhos. Subi uns blocos mirando o início da fenda para colocar a 1a proteção. Assim que coloquei o primeiro Totem Cam vermelho, vi que a peça não ficou 100% porque a fenda é aberta para fora. Olhei em volta e constatei que para cima também seguia nesse estilo. Nessa hora lembrei que a rocha era quartzito. Ou seja, é bem diferente do granito e arenito. Confesso que não estava esperando isso. Foi meio que um choque de realidade. Segui buscando uma colocação boa, mas tive dificuldade para achar algo que me transmitisse a mesma segurança do granito. Colocar peça é uma arte que exige conhecimento, experiência e velocidade. Qualquer um coloca uma peça, mas são poucas as pessoas que colocam boas peças. E cada rocha tem uma peculiaridade que precisa ser entendida e aplicada. Escalei a via buscando assimilar o mais rápido possível o estilo local e aos poucos fui entendendo a rocha. A escalada em si é bem tranquila, com um crux definido numa passada em fissura de dedo, mas proteger não acompanhou tranquilidade da escalada.

Dança Macabra. Foto: Pedro Naves.
Rack!

Depois dali resolvi entrar na “Lua de Mel” (7b), uma via mista conquistada pelo Eliseu Frechou um 2002. Depois da lição na Dança, definitivamente essa não era a melhor opção para quem estava recém chegando no Lenheiro, mas a via me atraiu muito e não resisti aos encantos da fissura.

Entrei à vista e com alguma dificuldade passei o crux em chapa e logo entrei na seção em móvel e ali começaram os problemas. Assim que as chapas acabaram, descobri que a fenda de dedo não tinha muita serventia para entalamento e muito menos para colocar uma peça descente. E para piorar tudo, a parede era levemente negativa, bombando os ante-braços na mesma velocidade que ia fritando o cérebro. Nessa hora lembrei de uma lição aprendida de Piraí que tinha esquecido: não entrar em vias mistas! Vias mistas são a soma do que há de mais cruel nas esportivas fixas com as tradis móveis. Quem conquista uma via em móvel não quer bater uma chapa. A chapa é o último recurso, quando a coisa realmente fica preta. Se desse para passar sem bater uma chapa, o conquistador não abriria mão dessa opção, mas se tem uma chapa é porque a coisa está difícil mesmo!

Mas a essa altura, ou a essa distância da última chapa, já era tarde demais. Escalei, sem sucesso, tentando colocar uma peça boa enquanto lutava contra o tijolamento, mas cheguei num ponto onde as minhas energias acabaram e tive que pedir para pegar, já na sessão final.

Lua de Mel. Foto: Pedro Naves.

Depois, o Eric quis provar a fissura da “Sublime Inconsequência” (7c), uma belíssima fissura de dedo de uns 10m quase toda protegida em micronut. Assim que começamos a estudar a fissura constatamos que os nossos nut não eram pequenos o suficiente para fissura, estávamos com um jogo de nut regular da DMM e outro de offset. Por sorte, ou azar, o Pedro nos emprestou os nuts da BD que caíram como uma luva. Assim fomos conferir a fissura mais famosa de Lenheiro. O Eric subiu em A1, estudou a fenda e montou um top rope para tirar as passadas. Depois tentei uma entrada flash, mas na hora de proteger o crux não consegui uma peça boa e tive que desistir. Por fim o Pedro entrou de top e depois tentou uma entrada com as peças colocadas, mas a cadena não saiu também.

Pedro na Sublime Inconsequência.

Ficamos com a missão de voltar um dia para mandar a via e fomos para última do dia: Lúcifer (VI)!

A ideia era mandar a via num único tiro de 50m. Escalar uma enfiada de 50m em móvel exige muito mais força do que tocar uma via esportiva fixa devido às peças que precisamos carregar. Um rack duplo com costuras chega facilmente a uns 7kg de lastro. É como se fosse escalar com quase 4 garrafas pets de Coca-Cola na cintura. Pior ainda se o crux estiver perto do chão, quando você está mais pesado.

Como a vez era do Eric, ele tocou para cima até chegar no crux da via que é protegido com um grampo, o único da via, mas a essa altura o Sol já estava se pondo no horizonte e a energia do menino já tinha acabado. Então o jeito foi baixar dali e seguir no dia seguinte.

Entardecer na Serra do Lenheiro.

À noite passamos no centro de SJDR com o Pedro e a Mari e jantamos um delicioso taco e depois cama!!!

A programação de domingo seria intenso, pois além de escalar, ainda teríamos de voltar até Confins e pegar o voo de volta para Vitória à noite.

Centro de São João del Rey.

Domingo

Voltamos à via Lúcifer para mais uma investida. Dessa vez resolvemos mudar um pouco a estratégia. Em vez de subir em uma única esticada, dividimos a via em duas enfiadas. Como o Eric já tinha guiado a primeira parte, dei a partida até uma parada dupla confortável da via original e ali chamei o Eric que após algumas horas de luta venceu a segunda parte, finalizando a escalada no cume do Pontão Maior.

Chegamos no cume por volta das 13h30, após mais de 3h de escalada. Como a via não tem parada fixa no cume descemos caminhando pelo outro lado para finalizar a nossa primeira parte da aventura do dia, pois ainda tínhamos muito chão até chegar em casa.

Diria que não conheci o Lenheiro do jeito que eu gostaria. Muitas vias que eu queria ter entrado ficaram de fora, mas com certeza a rápida visita serviu para consolidar a certeza de que quero voltar lá quanto antes, pois Lenheiro é incrível!

Foi um final de semana corrido e muito cansativo, mas valeu cada aprendizado, cada peça mal colocada e cada esticão estranho.

Meus sinceros agradecimentos ao Pedro e Mari por nos receber e guiar pelos labirintos do Lenheiro. E ao Eric por topar mais essa empreitada!

Em breve estaremos de volta!

Complexo Três Pontões.

Comentários

6 respostas em “Lenheiro!”

Oi Naoki, voltei aqui pra reler esse post. Pedro tinha lido pra mim em voz alta e fiquei emocionada! Que satisfação receber vocês aqui e sentir o quanto foi prazeroso pra você estar nesse cantinho tão especial, tanto o abrigo, quanto as vias que pôde conhecer! Com certeza a escalada é muito grata por suas ações que acrescentam vias e compartilha informações e lindos clicks! Obrigada viu!! Voltem sempre!!!

Oi Mari, eu que agradeço por tudo! Já estou vendo a possibilidade de voltar ainda esse ano. Só preciso alinhar alguns astros! Vocês serão avisados!

Foi um prazer recebê-los! Muito bom ver que gostaram tanto e que pretendem voltar.. estamos no aguardo! Até uma próxima! Abraço!

Obrigado casal por tudo! Já fiz até um comparativo entre ir de carro e avião, hahaahhha.

Que texto super bacana!!! Fotos lindas, que retratam fielmente o texto. Muita animação, disposição e preparo, para encarar, além da logística, o batidão da empreitada!! Muito amor ao esporte, é isso é admirável!! Sou a mãe do Pedro, e fico imensamente feliz de ler esse depoimento. Os dois com certeza, fazem tudo com a maior satisfação! Além do prazer de fazer novos amigos, poder acompanhá-los numa das atividades que eles mais amam fazer.
Parabéns a todos os envolvidos!!!

Ah que legal! Foi um prazer compartilhar o final de semana com seu filho. Já tenho planos para voltar em breve.

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