Duas semanas atrás, quando fui fazer uma manutenção na via “Eu sou a lenda”, durante o rapel, vislumbrei uma excelente linha paralela à via com vários lances em fenda. Desci de lá com muita gana de voltar lá para conquista essa linha, mas na trilha de volta peguei uns (vários) carrapatos que me fizeram repensar no assunto por alguns dias (tenho alergia à picada de carrapato).
Na última semana dei uma olhada no Google Maps e achei uma “trilha alternativa” que teoricamente evitaria os carrapatos. E na mesma semana, o Cosme, sempre ele, perguntou onde iria escalar no final de semana. Juntei a fome com a vontade de comer e bingo! A arapuca estava montada. Como o coitado é o único escalador de Colatina, ele sempre está sedento por escalada, por isso não é muito seletivo e topa tudo! Acho que a única coisa que ele me perguntou foi se seria repetição ou conquista. Não perguntou sobre aproximação, carrapatos, perrengue, solo em costão molhado, abrir picada, nada. É um bom menino!
No sábado pela manhã nos encontramos em Santa Teresa, a meio caminho para Praça Oito e na estrada fui contando os detalhes do projeto. Só as partes boas, claro! Vai que desiste antes de começar…
Conforme o planejado fomos procurar o novo acesso por uma propriedade ao lado. Solicitamos passagem e lá fomos nós, com as mochilas pesadas morro acima. A desvantagem de subir por essa propriedade foi que o carro ficava mais longe da base da montanha e além disso, a trilha mais fechada. Segundo meus “cálculos geodésicos” são uns 250-300m de desnível do carro até a base da via.
Para deixar a aproximação mais divertida, devido ao sereno da manhã, os capins estavam molhados, por isso chegamos na base do rampão totalmente encharcados. Acho que nessa hora o Cosme caiu na realidade e começou a me fazer mais perguntas sobre o que nos aguardava. Coisa que ele deveria ter feito no dia anterior, e não no meio do capim molhado.
Chegamos no rampão que leva diretamente à base da via após 40 minutos de caminhada. Tentamos nos secar em vão e partimos para aula de solo. Diferentemente das outras vezes, desta vez o rampão estava muito úmido, com muita sujeira e tivemos que calçar as sapatilhas para passar esse trecho. Pelo que notei, durante a semana choveu bastante na região e desceu muita sujeira pelo costão, mas a mesma chuva não foi capaz de deixar a pedra bem limpa.
Chegamos na base da via e, graças a Deus, os perrengues acabaram. Nos equipamos e toquei conquistando a primeira enfiada toda em móvel até chegar na P2 da via “Eu Sou a Lenda”. Pensei em passar paralelo a via, mas achei que seria um desperdício de chapeletas. Seguindo a mesma linha de raciocínio, tocamos mais uma enfiada pela “Eu sou a lenda” até um platô confortável, em vez de abrir uma outra linha paralela. Vide croqui no final da postagem.
A partir dali, o Cosme tocou conquistando uma travessia à esquerda para buscar um diedro fendado até chegar num platô. No meio da conquista, ele ficou um pouco em dúvida sobre a linha da via, então subi para ajudá-lo e acabamos fazendo uma parada intermediária que depois virou a P3 oficial. Ele seguiu a conquista, agora por um diedro bem delicado com colocações estranhas em uma rocha úmida e com barro… No meio da subida a coisa encrespou e assumi a ponta para finalizar a enfiada após bater uma chapa para proteger o crux de toda via.
Depois disso, a pedra ficou mais amigável e o Cosme tocou mais uma enfiada de 65m até o contraforte da pedra para finalizar a conquista.
Segundo os meus registros chegamos no cume por volta das 15h30, após 5h meia de conquista. Pelo horário avançado, pois nessa época do ano escurece por volta das 17h30, tivemos que agilizar a descida. É claro que quanto mais pressa temos mais demoramos… E durante o segundo rapel de 70m, depois que puxamos a corda, ela conseguiu laçar um bico de pedra de tal forma não havia Santo que o tirasse de lá. Como subimos com apenas uma corda de 70m e uma retinida de 7mm, tínhamos em mão apenas 6m de corda dinâmica para tentar chegar no bico de pedra. Por sorte, foi a quantidade exata de corda que precisávamos para escalar pela via do lado e soltar a corda. Ufa!
Depois disso, a descida foi de boa e conseguimos chegar no carro com o restinho de luz, sem precisar ligar as lanternas de cabeça.
Sobre o nome da via, escolhemos “Manual de fenda cega”. Pois na primeira enfiada, o Cosme, enquanto tentava se entender na fenda gritou para mim: manda o manual!
Falando no Cosme, parece que ele está com a agenda cheia durante as próximas semanas e não poderá escalar. Ele falou que quando estivesse livre iria me procurar, mas que não era para se preocupar.
Croqui
Ah, sobre os carrapatos, parece que a estratégia deu certo, pois só peguei um carrapato que rapidamente foi aniquilado.
Vale lembrar também que essa via foi toda conquistada com chapeletas de inox, usando o material de conquista da Associação Capixaba de Escalada que disponibiza esse tipo de material a todos os sócios.
Para ler a descrição da via, clique aqui!
Uma resposta em ““Manual de fenda cega””
[…] Ao contrário das escaladas anteriores, essa aproximação foi muito de boa, caminhada curta por uma drenagem seca e em menos de 10 minutos já estávamos na base da face norte. […]