É nas montanhas que me sinto em casa, mas preciso confessar que eu tenho uma queda por ilhas e arquipélagos. Não sei explicar bem o motivo, talvez a ideia de ser um sistema fechado, isolado. Talvez pelo fato de ser um “micro-cosmo” na Terra com uma cultura, natureza e geografia distinta do “continente”. O fato é que Paula e eu já tiramos férias em várias ilhas pelo mundo afora e todas são únicas e fantásticas.
A ideia de conhecer Fernando de Noronha sempre permeou o nosso imaginário, mas sempre barrávamos nos custos proibitivos e acabávamos viajando para outro lugar. No entanto, com essa crise mundial, voltamos novamente os olhos para aquele arquipélago perdido no meio do Oceano Atlântico, até que finalmente, ainda que com muitas incertezas, “batemos o martelo” para passar 8 dias na ilha.
Eu sempre tive um certo “pré-conceito” sobre essa ilha. No meu imaginário, Noronha era uma ilha paradisíaca frequentada por gente rica num lugar com pouca infraestrutura e onde tudo custava muito caro. Mas a pior coisa que fazemos nessa vida é criar ideias pré-concebidas dos lugares e não conhecê-los porque achamos que não é legal. Por isso, sempre tive certo interesse em ver com os meus próprios olhos como funciona a dinâmica de Noronha, para tirar as minhas conclusões.
Na internet há muito material, em português, sobre Noronha. Relatos, dicas, vídeos e tudo mais que você precisa saber sobre a ilha para organizar a viagem. Se você chegou até aqui buscando essas infos, adianto que não irá encontrar os relatos de sempre. Aqui, o relato será mais focado nas coisas que não li antes de ir para lá, assim como sobre coisas que vimos por lá sob um olhar mais de viajante e menos de turista.
Passamos 8 dias em Fernando de Noronha, tempo relativamente grande em relação à media, e com isso, pudemos conhecer a ilha com bastante calma, sem atropelos. Com mais tempo disponível, acabamos optando por fazer tudo à pé, de ônibus e táxi, sem alugar um carro, que por sinal é bem caro. Ficar sem carro na ilha não é tão ruim assim. É tudo uma questão de custo e comodidade. Se o tempo de permanência for curto, o carro ajuda muito a rodar pelas praias. A ilha principal tem apenas 16km2. É bem pequena, você atravessa a principal rodovia asfaltada em menos de 20min de um extremo ao outro. É também por essa rodovia que circula o único ônibus de linha a cada meia hora, o que é um adianto bom se estiver sem carro.
Uma das coisas que aprendemos nos primeiros dias foi ficar por dentro da tábua de maré. Lá, tudo gira entorno da maré: o acesso às praias, condições de mergulho, ondas e passeios. Então todos os dias, a gente ficava de olho na maré para organizar os passeios. Fica a dica.
Já as praias… acho que elas dispensam qualquer tipo de comentário. Elas são tudo isso que a gente vê nas fotos e muito mais, mas duas coisas me chamaram a atenção. Primeira, que as condições delas variam ao longo do ano. Nós acabamos indo numa época que marca o final dos grandes swells e início da temporada das chuvas que vai até junho. No segundo semestre do ano, as praias ficam mais flat e chove menos, ideal para quem gosta de fazer snorkel e praias mais calmas. A segunda coisa é que uma mesma praia pode ter “cara” diferente a depender da maré. A dinâmica das marés molda significativamente a paisagem, por isso é legal visitar a mesma praia tanto na maré alta quanto na baixa. Às vezes, parece até outra praia.
Ainda sobre as praias, elas são divididas em “mar de dentro” e “mar de fora”. O mar de dentro são as praias que ficam voltadas para o Brasil, na porção mais protegida e também onde ficam as praias mais famosas, com destaque para Baía dos Porcos, que é o cartão postal de Noronha. Já o mar de fora são as praias que ficam voltadas para o continente africano, o lado mais “ventoso” e são menos badaladas. Por outro lado, são nas praias do mar de fora que ficam as piscinas naturais mais famosas da ilha, com destaque para a Praia de Atalaia. Se você é um apreciador nato de mergulho livre, Noronha é o paraíso. Tanto nas piscinas naturais quanto nas praias há inúmeros pontos de mergulho onde é possível nadar com tartarugas, arraias, tubarões e golfinhos.
Grande parte dessas belezas naturais está dentro do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha que ocupa grande parte do arquipélago e seu entorno. Por isso, para acessar algumas praias e visitar alguns atrativos é necessário pagar uma taxa ao parque, além da taxa da ilha. O parque está sob jurisdição da ICMBio que cuida dos acessos e faz a manutenção. Considerando o cenário político atual, onde o governo faz pouco caso para áreas verdes e consequentemente os recursos são escassos, diria que a infra-estrutura do parque está conseguindo se virar do jeito que dá. Ainda estamos longe dos padrões dos parques nacionais americanos, mas até onde pude ver, dentro do possível, está bem organizado. O sistema de pagamento funciona (online e presencial), o sistema de reserva para os passeios igualmente funciona de forma bem eficiente e os funcionários e agentes são bem solícitos e qualificados, inclusive na condução de problemas. Ao longo da estadia na ilha, pudemos conversar em várias ocasiões com monitores e guarda-parques e ficou evidente que, mesmo com todas as dificuldades, eles fazem seu trabalho com muita dedicação.
Falando em dificuldades, em 8 dias vagando pela ilha e conversando com os moradores, deu para conhecer também o outro lado de Noronha que vi pouco nos relatos e que nem aparece nas redes sociais. A primeira coisa mais gritante que me saltou aos olhos foi o abismo social que existe. Se a ilha é frequentada por pessoas com alto poder aquisitivo, os locais não gozam das mesmas condições. Morar no paraíso tem seu preço. Por ser uma ilha, tudo é muito caro, pois precisa vir de avião ou navio do continente, inclusive a própria comida. Além disso, o próprio lixo produzido é levado para o continente, deixando tudo muito mais oneroso. Essa questão dos preços serem elevados porque tudo precisa vir do continente não me convence muito. É natural que seja mais caro, mas não precisa custar o dobro ou mais. Lugares como Hawai e Islândia também sofrem desse problema logístico, mas não custa o dobro. E olha que nesses lugares as coisas vem de mais longe ainda!
O que nos revoltou mais ainda é que todo visitante precisa pagar a chamada Taxa de Preservação Ambiental (TPA) por cada dia na ilha. Não acho errado pagar essa taxa, desde que esse valor seja destinado realmente `a preservação ambiental, à melhoria da ilha e principalmente aos moradores, mas quando andamos um pouco pelas ruas, fica claro que o nosso dinheiro toma outro rumo. Ruas sem calçamento, estradas em más condições e problemas básicos de energia e abastecimento são bem visíveis e cotidianas.
Toda matriz energética da ilha é gerada por um gerador à diesel que funciona 24h por dia. Para uma ilha que vende a propaganda de sustentabilidade, isso é no mínimo contraditório. Com certeza, gostaria de ver o meu dinheiro sendo investido em energias alternativas (solar, eólica e maré) que é a tendência do futuro, mas até o momento não há nada no horizonte.
Nessa mesma linha, grande parte da água potável da ilha vem da dessalinização da água do mar. Embora a ilha tenha um reservatório natural, a demanda é tão elevada que é preciso recorrer a esse processo para suprir as necessidades. E ao que pude observar, o sistema de abastecimento não consegue atender a demanda e é comum ter problema de abastecimento. Por isso, a água é um recurso escasso e bem caro na ilha. A depender do lugar, uma garrafa de 500mL de água pode custar até R$ 10,00. Nesse sentido, acho que Noronha é um bom lugar para a gente valorizar a água que é um recurso essencial e que se a gente não cuidar melhor dela, logo logo estaremos pagando o mesmo preço aqui no continente.
Durante o período que permanecemos na ilha, ficamos hospedados na Pousada Oceano Azul, um empreendimento familiar sob os cuidados do Ailton que além de cobrar o escanteio, cabeceia para o gol. Se alguém estiver procurando referência de hospedagem recomendo demais a pousada. Costumo dizer que a gente sabe se o lugar é realmente bom quando alguma coisa dá errado. No nosso penúltimo dia na ilha, decidimos que faríamos um passeio de canoa havaiana no último dia para tentar ver uns golfinhos. Naturalmente, não conseguimos vaga para o dia seguinte, pois todos os horários já estavam cheios. Conversamos com Ailton sobre o assunto e ele prontamente ficou de dar uma olhada. Pouco tempo depois, ele conseguiu uma vaga, na mesma agência que já não tinha vaga. No dia seguinte, o passeio transcorreu tranquilamente e ainda fomos agraciados com os belos mamíferos brincando ao nosso lado para fechar as férias com chave de ouro.
Sobre a parte gastronômica da ilha, já tinha lido que a comida era bem cara e fomos com uma lista de alguns restaurantes recomendados. A minha percepção final sobre os restaurante é que eles são realmente muito caros para o se serve. A comida é boa, mas nada muito especial. Observamos que todos os restaurantes mais conhecidos servem pratos bem parecidos quando a escolha é por frutos do mar. Mas para nós, mais difícil do que jantar foi achar algum lugar para fazer lanches rápidos entre as refeições. E a depender da praia, não há estrutura por perto. Em algumas tem no máximo uma barraquinha com bebidas e alguns salgadinhos.
O mesmo acontece nos mercados e postinhos de conveniência. Além dos preços altos, há pouca variedade. Já tinha sido avisado sobre isso, então nós levamos do continente uma boa quantidade de lanches rápidos para passar o dia na praia. Dica #2.
Outra coisa que senti muita falta na ilha foi a presença de frutas e verduras, tanto nos restaurantes quanto nos mercados. Embora não seja vegetariano, sou voraz consumidor de verdes. Falando em vegetariano, essa é uma outra opção que é bem escassa na ilha. Há pouca opção de pratos vegetarianos e vimos apenas um restaurante com essa proposta.
Sobre a questão da COVID, há casos confirmados na ilha com apenas 2 óbitos até hoje. O turismo lá esteve fechado até outubro de 2020, quando foi aberto apenas para pessoas que já tiveram COVID confirmando. Depois foi aberto para quem apresentasse o exame de PCR negativo em até 24h antes do embarque. Atualmente, abril de 2021, aos turistas que vão a Noronha é obrigatório apresentar teste negativo de PCR com no máximo 48h até do embarque. Já para aquelas pessoas que tiveram o diagnóstico da doença, deve ser apresentado o exame PCR com o resultado positivo realizado no mínimo 20 dias antes do embarque ou, no máximo, 90 dias antes. Também vale o exame reagente de IgG por sorologia (de sangue), feito, no máximo, 90 dias antes da viagem para a ilha. E na ilha, você ainda poderá ser sorteado para realizar um segundo PCR no aeroporto antes de embarcar de volta (o segundo PCR é pago pelo governo do Estado, já o primeiro é por conta).
Mesmo diante de toda situação vivida hoje, dos preços inflacionados da ilha e de todas as dificuldades, voltamos de lá com a certeza de que ainda retornaremos àquele paraíso. Os dias que passamos totalmente despreocupados da vida, saboreando a brisa do mar e nos banhando ao lado da riquíssima fauna marinha nos fazem relevar todos os problemas e desafios! Porque Noronha é uma ilha paradisíaca!
3 respostas em “Noronha”
só fotão emmmm vocês dois são foda!!!
Belo post Naoki! Informações objetivas e fotos incríveis!
Vlw pelo feedback, Juliana!