Não, não é post repetido!
Sim, eu voltei novamente à Pedra do Pontal.
Na verdade, quando fui pela primeira vez no final de julho, eu vi duas linhas bem interessantes nessa pedra: uma na face norte, onde depois saiu a via “Tempestade Solar”e outra linha na face leste. A “Tempestade Solar” foi Ok, uma conquista legal e tranquila que serviu de “termômetro” para o que viria pela frente na face leste. Esta, sim, uma escalada de consistência.
Naquela ocasião, usando um binóculo, consegui montar um pequeno quebra-cabeça de sistema de fendas interconectadas que transcorre pela face, praticamente da base até o topo, passando por alguns trechos sem fenda. Mentalmente a via estava na minha cabeça, mas era preciso se lançar à pedra para materializar o plano. Assim, no sábado, bem cedo, lá estava eu novamente na base da montanha para colocar em prática o plano.
Comecei o dia fazendo dois “porteios” de material até a base da via. Vinte minutos de caminhada, 10 minutos para voltar e mais 20 minutos para levar a última leva. E em menos de 1h já estava com tudo na base da via. Achar a base da via foi moleza, difícil foi achar o caminho entre o mar de boulders da base.
Por sorte, mas bota muita sorte, um grande diedro e uma fenda frontal paralela “nascia” da base da pedra até a base de um grande diedro, facilitando o começo da via. Em geral, o início dessas paredes é sempre complicado com muita vegetação ou rampão liso, mas dessa vez eu estava com sorte. Pensei em solar esse primeiro trecho com o material nas costas, mas pensei melhor e achei mais prudente subir com corda e fixar uma linha. Quando se está sozinho ficamos mais corajosos, ou menos disciplinados.
A fenda frontal de II me levou à base de um grande diedro. De longe, parecia inofensivo, mas a medida que aproximava, mais apreensão me causava devido a sua extensão.
Durante uma pausa, antes de encarar o diedro, recebi pelo Zap a triste notícia de que o Sr. Ronaldo, um dos donos do Calogi havia acabado de falecer. Eu o encontrei algumas vezes nos últimos anos, sempre em encontros bem difíceis para ouvir esporro e querendo fechar o Calogi devido à atitude de algumas pessoas. Mas mesmo assim, eu tinha muito respeito e um pouco de pena dele devido à saúde bem debilitada. Quando se está na montanha sozinho, num local isolado, exposto a todo tipo de medo, notei que a gente fica muito mais sensibilizado.
Sob condições normais aquela notícia não me afetaria tanto, mas ali, naquele ambiente, fiquei muito sentido a ponto de comprometer a minha coragem. Mesmo assim me lancei no diedro. Tentei me concentrar ao máximo na escalada e fui tocando enquanto observava o meu rack ir esvaziando e nada de o diedro acabar. Faltando uns 10m para a corda acabar, visualizei um bom platô onde poderia ser a P2. Só que para o meu desespero, para poupar peso, acabei deixando todos os Camalot #3 e #4 na parada, justamente as peças que iriam me proteger no lance final. Troquei o Camalot por coragem e toquei o trecho final até dominar o platô estranho e ali estabelecer a P2 com duas chapas.
Quando olhei para baixo, me dei conta do que havia acabado conquistar e logo, tive a certeza de que abri o diedro mais lindo de todos os tempos. 55m do mais puro diedro de dedo todo protegido em móvel por um terreno que vai ficando gradualmente mais inclinado. Pensando agora, não lembro de ter escalado uma fenda assim por esses lados, talvez só lá na gringa.
Desci para limpar a enfiada e voltei à P2 para dar continuidade à conquista. A essa altura, o dia estava ficando cada vez mais quente e começando a me incomodar. Aliado a isso, a semana de trabalho foi muito cansativa e ainda não havia conseguido descansar decentemente. A conjunção dos fatores começou a pesar para o meu lado e tive muita dificuldade para me decidir o que fazer na próxima enfiada. Poderia seguir pela direita dominando um teto e seguir por uma fenda com mato, ou me lançar à esquerda pela face buscando uma laca mais acima. No fim, a preguiça de me embrenhar na mata me fez decidir ir pela esquerda. Por esse lado, evitaria a vegetação, mas, por outro lado, iria encarar uma parede mais vertical. Catei 5 chapas, alguns móveis pequenos e fui à luta.
Quando se conquista em solitária, a hora de escolher o que levar para cima é crucial. O ideal é levar tudo, mas aí fica tão pesado que um mísero lance de V grau vira um suplício devido ao peso. Se for muito leve, com pouco material, pode passar necessidade (medo).
Como escolhi mal o que levar para cima, acabei passando muita necessidade nessa enfiada. Deveria ter levado mais chapas e algumas peças médias. Progredi pela face vertical batendo 4 chapas espaçadas pelo tamanho da minha coragem até chegar a base da laca que havia visto da parada. Quando cheguei na laca, para minha infelicidade, descobri que a laca era cega e que não iria entrar nenhuma peça. Fiquei ali um bom tempo fritando ao Sol e pensando o que fazer. Resolvi abandonar a laca e tocar para direita, por fora da laca em direção a algo que parecia ser outra fenda. Bingo! Três metros depois da última proteção, uma fenda perfeita. Mas é claro que eu não tinha as peças necessárias para protegê-la. Mais uma vez, aquela permuta, Camalot por coragem e fui tocando até dominar um degrau mequetrefe e ali, já quase no final da corda, puxei a furadeira para fazer o furo e colocar a minha última chapa que eu tinha (e o medo de deixar cair?). Quando fui martelar o bolt, errei a mira e acabei martelando o meu dedo indicador… Eu estava tão cansando que cometi esse erro primário. Acho que já bati mais de mil chapa na minha vida, mas essa foi a primeira vez que consegui acertar o meu dedo. Passei a minha infância com martelo e prego na mão. Então esse tipo de erro é quase que inaceitável. Na infância, meus pais não tinham dinheiro para comprar brinquedo para mim, então tudo que eu queria tinha que fabricar. Carrinho, avião, bumerangue, casa na árvore, tudo era na base de martelo, serrote e prego. Além disso, ajudava os meus pais fazendo caixa de madeira para colocar uva.
No calor da hora nem senti muito a martelada, mas assim que terminei de limpar a enfiada, notei que a unha estava bem roxa. A sensação era de que o coração estava na unha. Mas a essa altura, a unha era o menor dos meus problemas. Conquistar a 3a enfiada foi muito cansativo mentalmente, então estava destruído. Tão cansando que me pendurei na parada e tirei um cochilo de alguns minutos. Não sei quanto tempo apaguei na parada, mas quando acordei devido ao desconforto, virei para o outro lado e dormi mais um pouco.
Um pouco mais descansado, olhei para cima e consegui visualizar o que seria o final do grande sistema de fendas do totem. Convenci a mim mesmo que iria tocar mais uma enfiada e depois descer, pois eu não estava nos meus melhores dias. Selecionei um rack leve com poucas peças e toquei para cima (não aprendo nunca). Logo na saída, descobri que o dedo martelado não poderia ser mais usado. Senti me um pouco Tommy Caldwell que não tem a ponta do dedo indicador.
A 4a enfiada foi até tranquila comparado com o resto. Toquei uma longa diagonal à esquerda passando por algumas fendas até ganhar um pequeno platô no topo das lacas, onde bati a parada dupla. Dali, fiquei um bom tempo olhando para cima e vendo o que me aguardava. Um misto de alegria, apreensão, medo e incerteza tomou conta de mim. Inclusive foi ali, olhando para aquele mar de granito vertical, que veio à mente a inspiração para batizar a via de “Stairway to heaven”. Como a galera daqui tem a tradição de usar somente nome em português para via, traduzi para: Escadaria para o Paraíso.
Dá um play ai para continuar lendo…
Da P4, quatro rapéis me levaram ao chão. A ideia original era dormir por ali mesmo e no dia seguinte dar sequência à conquista, mas depois da martelada e do meu estado de cansaço, achei melhor abortar o plano e procurar outra sarna para se coçar.
Pensei em várias possibilidades para o domingo, mas antes era preciso achar um lugar para dormir. Logo, me deu uma vontade de comer uma boa comida caseira para “afogar a minha tristeza” e lembrei da deliciosa janta da esposa do Itamar, em Afonso Cláudio. Liguei para certificar que teria comida e pé na estrada até Afonso Cláudio para jantar e pernoitar por lá.
No domingo, após uma noite mais do que merecida de sono, dormi das 18h até às 20h30, jantei e depois dormir das 21h30 até às 7h de domingo, dei um rolé pela região para procurar mais algumas pedras. Sempre é bom ter algumas opções de conquista na região.
Parti sem rumo e compromisso, rodei por onde deu vontade, o que acabou me levando, perto do meio-dia, à região de Santa Teresa. Ali, lembrei que há uma unidade de conservação que sempre quis conhecer, a Reserva Biológica Augusto Ruschi. Essa UC possui uma área de aproximadamente 3500 hectares e é um dos últimos resquícios de Mata Atlântica preservada da região.
Assim como a maioria das unidades de conservação do governo, essa, também encontra-se praticamente à mercê da sorte. A sede estava fechada para visitação e aparentemente só há um escritório administrativo funcionando. Não há controle de acesso, muito menos placas indicativas bem claras. Para o visitante, há apenas uma estrada que corta a unidade na longitudinal e na transversal para “visitação” de carro.
Aproveitei a calmaria do local para fazer um almoço e arriscar um banho numa pequena cacheira à beira da estrada, enquanto ouvia o canto de uma dúzia de pássaros na região. Além a Mata Atlântica preservada, outro aspecto de chama muito a atenção é o canto dos pássaros. É um “gritedo” sem fim muito impressionante, coisa que não percebo em outras regiões, onde a mata nativa foi totalmente destruída pelo homem e só sobraram as plantações de café.
Vale lembrar que 90% de todo Estado do Espírito Santo era coberto pela Mata Atlântica antes da colonização e atualmente restam apenas 8%. Durante a década de 60, o Estado foi um dos principais fornecedores de madeira para construção da capital Brasília. Durante esse período, havia no estado, aproximadamente 1500 serrarias. Já na década seguinte, com a chegada de novos polos industriais na região, principalmente celulose, ocorreu o plantio massivo de eucalipto, principalmente na região norte do Estado, agravando mais ainda a destruição.
Só para se ter uma ideia da riqueza da Mata Atlântica, estima se que numa área de 100m x 100m há mais de 400 espécie de árvores. Garanto que você não saberia me dizer nem 10 espécies de árvores da Mata Atlântica. É uma riqueza imensurável que estamos perdendo todos os dias…
Enfim…
Uma resposta em “Stairway to heaven”
Boa japones! Você está uma maquina em solitario ein!
Deixa umas pedras pra a gente se divertir… rs
Chorei de rir com a soneca pendurado na conquista!