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Monólogo

Em geral, sou uma pessoa de poucas palavras. Converso pouco, não sou de sair falando “ao vento”, mas o monólogo é tão animado quanto uma conversa numa roda de bar. Quando escalo então… A conversa entre “eu razão” e “eu emoção”, às vezes parece uma “DR”! E às vezes, a busca por esse equilíbrio é um desafio que precisamos negociar em silêncio para superar o medo e dar um passo adiante.

Em 2013, me afastei intencionalmente das esportivas para me dedicar um pouco às tradicionais. Em 2019, após um ano difícil devido à pandemia, resolvi voltar a esse terreno. Não que estivesse nos meus planos, mas as condições não estavam favoráveis para viagens longas, exposições e tudo mais que todos já devem estar sabendo.

Pensei erroneamente que essa pausa de 6 anos iria me deixar parado no tempo das esportivas. Achei que a volta seria dura após tanto tempo parado e mais ainda, 6 anos mais velho. Mas logo aprendi que essa “imersão tradicional” trouxe muita experiência, vivência e conhecimento que poderiam ser aplicados no campo da escalada esportiva. E a maior prova disso foi na última trip que fiz com o Lissandro e a Yasmin para Serra do Cipó – MG.

Cipó e seus habitantes.

No terceiro dia de escalada o nosso corpo já não reagia do jeito costumeiro. Os braços pesavam mais e o cansaço acumulado pedia descanso, mas ao fazer uma trip de poucos dias, descansar acaba ficando para o segundo plano.

Para o terceiro dia de escalada eu tinha reservado um tempo para fazer o “reconhecimento” na via “Coliseu” (9c). Passei a manhã e parte da tarde só na segurança do Lissandro e Yasmin para tentar descansar ao máximo e dar uma boa entrada no final do dia.

No meio da tarde fomos ao setor para conhecer a via. Já tinha passado pelo setor em 2013 e a lembrança que eu guardava era de uma linha incrível, mas, ao mesmo tempo, bem intimidadora. Como sabia que o Felipe Alves tinha “flashado” a via, tentei ir na onda, mas o boulder final tinha algumas surpresas e não consegui passar de primeira. 

Sabia que eu tinha apenas mais uma tentativa nesse dia e provavelmente no dia seguinte não voltaríamos mais ao setor. Então era tudo ou nada, mas, ao mesmo tempo sabia que 9c, mesmo sendo soft, não é assim para sair mandando no “segundo giro”. Além disso, como entrei a flash, a primeira parte não estava bem decorada e o final eu não fiz todas as costuradas.

Isso me deixou muito tranquilo em relação a mandar na entrada seguinte, o que permitiu que eu escalasse sem cobrança, embora, no fundo, quisesse muito. Botei como meta, chegar bem até o descanso. Cheguei no descanso, fechei a mão e percebi que não estava “tijolado”. Cheguei zerado no descanso! Nessa hora, “virei a chave” e deixei de lado essa ideia de conhecer a via e me preparei para mandá-la. Estabeleci mais uma meta intermediária: chegar na costura seguinte e clipá-la. Para mim era a costurada crux. Se conseguisse, iria à muerte para o lance final. Não sabia bem como fazer algumas passadas a frente, mas nessas horas gosto de me deixar levar pelo momento. Tento não seguir um plano rígido, pois isso pode acabar te deixando sem espaço para criatividade. 

No início da via “Coliseu” (9c). Foto: Lissandro.

Passei o boulder e fui para virada, mas ai o “braço torou” e o jeito que passei da primeira vez se mostrou impossível naquelas condições. Sem querer achei um entalamento de joelho e depois um de mão. Foi a salvação! Mesmo cansando e concentrado, pensei como foi importante ter escalado fenda nos últimos anos. Puxei um ar e tentei realizar a virada, mas estava muito cansando. Quando estava prestes a cair, achei um chicken wing milagroso que me salvou. Consegui puxar mais um ar e depois realizar a virada. O resto foi só festa!

Lissandro na “Venga las Chicas” (7a). Setor Coliseu.

No dia anterior fomos ao “Vale de Blair” para resolver algumas pendências. Na última trip ao Cipó, coincidentemente com o Lissandro e a Yasmin, no último pegue da trip, tentei “flashar” a “Brinquedo Asssassino” (9a), mas acabei caindo no crux. Eu sabia que depois de 5 dias de escalada o flash estava longe, mas entrei de propósito para criar uma motivação! Uma motivação para o treino e para voltar ao Cipó quanto antes.

Assim que começamos a traçar os planos para essa viagem, foquei os meus treinos para essa via. Como a via é dominantemente em agarras pequenas, fiz um bom trabalho de fingerboard e treinei bastante boulder para conseguir fazer o crux.

Dito e feito! Após relembrar a via na primeira entrada, na entrada seguinte, a via saiu com relativa facilidade.

Mas o “Vale” ainda tinha uma coisa que me incomodava. Na última viagem fui vencido no meu monólogo e não tive coragem para entrar na via “Las tetas de fin de noche” (8c). A meta era tentar “de prima”, mas mandar 8c à vista no Cipó nunca é muito fácil.

Na primeira olhada vi que a via estava desequipada e sem magnésio. Deixar para próxima seria melhor, mas eu já tinha procrastinado uma vez. Depois fiquei pensando até quando vou fugir da via… Então resolvi entrar. Mandar a via de “2nd go”não me interessava, tinha que ser à vista. Então entrei super focado. Passei o boulder mordendo os regletes e consegui chegar no descanso. A via estava ganha, mas sentia que para ser 8c precisava de mais alguma coisa. Provavelmente deveria ter um “veneno final”. Na canaleta fiquei muito perdido porque não conseguia ver a próxima proteção. Após algum tempo descobri que a via seguir por fora, por uma aresta negativa que ficava nas minhas costas. Nessa hora tive certeza de que tinha mais maldade a caminho. Fui tocando pela aresta e quando vi a parada senti um misto de alegria e tristeza. Alegria em saber que era só clipar a parada para fechar a via e tristeza em não saber como vencer uma placa lisa que me separava da parada. Como estava “tijolando”, não tive muito tempo para um monólogo e sem consultar a outra parte toquei para cima num tudo ou nada. Por sorte achei uma agarra salvadora e consegui clipar a parada! Mesmo essa via sendo mais fácil que a “Brinquedo”, confesso que fiquei mais feliz com essa escalada. Até porque esse foi somente o meu terceiro 8c à vista do Cipó.

Nesse mesmo dia, ainda tivemos duas ascensões que merecem destaque. O Lissandro mandou o seu primeiro 8a do Cipó com a “Silêncio dos Inocentes” (8a). E no último dia da viagem ainda mandou a “Na Calada da Noite” (8a), seu segundo 8a no Cipó. Logo depois o escalador Felipe Alves mandou a via “Fúria Espanhola” (10a) no mesmo setor.

Yasmin na Via de Blair (7a).
Lissandro na saída da “Silêncio dos Inocentes” (8a).
Lissandro na cadena da “Na Calada da Noite” (8a). Foto: Yasmin

No dia anterior, no nosso primeiro dia de escalada na Serra do Cipó, resolvemos começar os trabalhos nos reacostumando com o mármore. Para nós, “graniteiros”, a mudança para o mármore sempre é um pouco estranho e precisamos dar umas escaladas mais fáceis para calibrar a pressão dos pés. Por isso, fomos direto para o G3 para aclimatar e resolver algumas pendências.

No G3 eu tinha uma dívida muito antiga chamada Psicose (9a) que eu tinha tentando pela primeira vez em 2013 e que no ano passado, acabei não entrando porque fui vencido no monólogo.

Dessa vez estava mais decidido a entrar na via, mas quando cheguei na base e a encontrei desequipada e sem marca de magnésio, quase desisti novamente. Tive que ter uma boa conversa comigo mesmo para entrar na via.

Como eu entrei em 2013, não me lembrava bem da via. Sabia que tinha um boulder na saída e depois seguia até a parada sempre bom constante. Levei um bom tempo para decifrar novamente o boulder da saída. Por um momento pensei até em desistir porque a agarra-chave estava acabando com a pele. Respirei fundo e logo em seguida achei um calcanhar que estava faltando no quebra-cabeça para passar o lance. Na entrada seguinte fui para mandar, mas acabei caindo num lance mal estudado depois do crux. Fiquei triste, mas, ao mesmo tempo, agora eu tinha confiança de que na próxima entrada mandaria a via, pois consegui fazer o boulder da saída com muita facilidade. 

Mais um descanso e dessa vez fui com tudo até o último lance antes da parada. O lance final é bem estranho. Até o último segundo não sabia como iria resolver a passada. Cruzando ou “retapando”! No fim deixei a decisão para o “momento flow”. Iria decidir na hora! E acabei optando por dar um retape que se mostrou mais natural.

A tarde, a Yasmin “se apaixonou” por uma 8a “boulderístico” ali perto (Queimando Tudo) e começou o processo de conhecer a via. A cadena acabou não saindo nos próximos dias, mas no momento que escrevo este post, ela me mandou uma mensagem dizendo que está voltando para o Cipó para resolver essa pendência!

Yasmin batalhando a via “Queimando Tudo” (8a).

Logisticamente, dessa vez resolvemos ir de avião até Confins e depois alugar um carro. Para nós, de Vitória até o Cipó são quase 10h  por uma estrada de pista simples que não dá arrego. Então quando conseguimos um bom preço na passagem aérea, essa estratégia acaba sendo menos cansativa.

Para o pernoite ficamos no Abrigo do Marcelinho. Eu ainda não conhecia o espaço e gostei muito de lá. Além disso, fazia mais de 20 anos que não o via. Então foi bem legal encontrá-lo novamente e conversar um pouco sobre os velhos tempos. Mas uma coisa que achei muito bacana no Abrigo do Marcelinho foram os muros de escalada que tem pelo jardim: um spray wall, um Moonboard e um campus. Isso permitiu que eu pudesse fazer todo aquecimento ali mesmo, antes de ir para rocha. Assim, quando chegava no setor, nem perdia muito tempo com vias de aquecimento e ia direto para os projetos.

Assim como sempre escrevo no final de todos os posts sobre o Cipó, com certeza em breve estaremos de volta. As metas foram recalibradas e na próxima semana, após um merecido descanso, os treinos voltarão com foco na próxima viagem!

Lembranças e gratidão a todas as pessoas que encontrei nos últimos dias. 

Time Colorado.

Comentários

2 respostas em “Monólogo”

Fantástico relato, parabéns a todos pelas cadenas, lugar incrível em breve voltarei também.

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