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Pancas em dois atos

Ato 1 – “Boca Seca”

O sábado começou com o Fred (Ibiraçu) me encontrando no Sítio Cantinho do Céu em Pancas. O Fred, para quem não conhece, se chama Frederico. E Frederico para quem não tem cultura inútil é o nome do Kiko da série Chaves. Na verdade, a mãe do Kiko, a Dona Florinda, chama o Kiko de “Tesouro”. Por isso, o “BFF” do Fred Ibiraçu, o André “Tesourinho”, chama ele de “meu Tesouro” e assim nasceu a dupla “Tesouro e Tesourinho”.

Essa cordada nasceu durante a semana quando o Fred, Kiko, Tesouro me procurou no Whatt para perguntar sobre uma lanterna de cabeça e emendou no final:

– E no sábado?

E respondi:

– Tô indo para Pancas, partiu?

– Partiu!

Eu gosto de gente assim, que aceita sem perguntar onde está se metendo!

Na última vez que estive em Pancas, visualizei uma linha em móvel na Pedra do Tubarão. De longe parecia uma escalada bem promissora, pulando de um sistema de fenda para outro até o cume, mas restava confirmar de perto para saber se as fendas eram fendas ou apenas uma linha na pedra.

Pedra do Tubarão.

Como o Fred é um mateiro experiente e bom carregador de peso, resolvemos investir nesta pedra. Largamos o carro na beira da rodovia e saímos abrindo picada por entre os lajeados morro acima. Faltando alguns metros para chegar na pedra, finalmente conseguimos confirmar que todas as fendas eram de verdade. Na verdade, eu estava um pouco preocupado com um trecho em particular que era mais vertical, onde uma boa fenda seria fundamental para conectar a parte de baixo com o topo.

Após uma mata bem chata no final da aproximação, chegamos na base por volta das 9h, já com o Sol a pino ao melhor estilo Pancas.

Aproximação com as mochilas pesadas.
Tudo sob controle.

Cheguei em Pancas na noite anterior. Sai do trabalho às 17h e peguei a estrada na pior hora e no pior dia da semana. Logo, uma viagem que duraria 2h30 me consumiu 4h de estrada. Cheguei no camping por volta das 21h e me surpreendi com o frio. Conversando com o Fabinho, ele me falou que durante a semana chegou a 10 graus!

Quando alguém fala das escaladas em Pancas, duas coisas vem à mente de todo mundo: aderência em granito preto e calor, muito calor. Por isso, chegar em Pancas e ter que colocar um casaquinho foi no mínimo estranho.

O sábado também amanheceu bem frio, com o termômetro marcando a casa dos 14 graus, mas assim que o Sol apareceu a temperatura deu um salto e foi para casa dos tradicionais 25-30 graus, mas por causa da frente fria, o ar ficou muito seco, deixando uma sensação constante de “boca seca” que não passava tomando água. No início, achei que fosse por causa da gripe que eu peguei na semana, mas o Fred também reclamou do mesmo desconforto.

Começamos a conquista tocando uma fenda em diagonal até ganhar um grande platô na base do trecho mais vertical da rocha. Embora não fosse obrigatório, bati uma chapa na saída para facilitar a identificação da via e toquei o resto em móvel até a P1, em árvore. Da P1 finalmente consegui ver de perto a fenda que na verdade era um diedro de meio corpo que se estreitava a medida que ia subindo. Por sorte levei um Camalot #5, mas na hora da verdade descobri que a fenda não era páreo para o #5, tinha que ser o #6, que ficou em casa… Fui arrastando o #5 totalmente aberto na fenda para o psicológico até achar um lugar minimamente decente e deixar ele para trás. Depois a fenda foi se estreitando e pude curtir mais a escalada. Uns 50m depois, cheguei num outro platô onde montei outra parada em móvel para chamar o Fred.

Fred limpando a 1a enfiada.

Dali para cima a conquista estava ganho, mais uma enfiada de 50m toda em móvel passando por uma fenda frontal, mais um platô e um trepa-rampa fácil nos levou diretamente à parada final da via “Dupla Face” que vem pela aresta da direita. Chegamos no cume da pedra por volta do meio-dia, tiramos umas fotos, assinamos o livro de cume , comemos alguma coisa e tratamos de sair o quanto antes dali, pois o calor estava castigante e a secura constante. Alias, por causa dessa sensação incômoda que nos acompanhou a escalada, batizamos a via de “Boca Seca”.

Fissura frontal da 3a enfiada.
Fred chegando na P3 da via.
Cume!
Livro de cume.
Uma foto antes da descida.

Na descida, acabamos batendo mais duas chapas na P2 para o rapel, totalizando 3 proteções fixas em 200m de escalada. Ou seja, a via ficou um prato cheio para quem curte escalada em móvel de boa qualidade. Para mim, o mais legal dessa via é que no final da 1ª  e 2ª enfiada, há um longo trecho de escalada em lacas finas que me lembrou muito as escaladas de Tuolumne Meadow (EUA). As lacas são tão finas que não segurariam uma queda, então o jeito é ir tocando no “flow” sem proteger.

Croqui da via.

Ato 2 – “Minha Casa”

Na última vez que estive em Pancas, conversando com a Dona Joana sobre assuntos aleatórios, ela olhou para uma pedra e disse:

– Pois é, faz tempo que ninguém escala a “minha casa”.

Fiquei pensando: minha casa? Que via é essa? Como ela falou olhando para Pedra do Jacaré, logo entendi que “Minha Casa” era uma referência à via “Casa da Mãe Joana”, uma via conquistada pelo Baldin e CIA em 2011 (relato da conquista).

Pedra do Jacaré.

Ela me falou aquilo com um certo sentimento de tristeza que prometi a mim mesmo que voltaria para repeti-la!

Mais uma vez, o domingo amanheceu gélido. Com muito esforço sai do saco de dormir às 6h30, mesmo contra todas as vontades. O frio, a semana cansativa, a conquista do dia anterior, a gripe, a dor no corpo, tudo conspirava para continuar deitado.

Na noite anterior, a mistura de sol, esforço, ar frio e imunidade baixa, me pegou de jeito e pensei que não rolaria escalar no domingo. Fui dormir cedo com a estratégia de se no dia seguinte acordar mal, arrumar as coisas e voltar para casa para descansar um pouco, mas após uma boa noite de sono, acordei relativamente bem.

Cardápio da noite: “Massa com o que tinha na geladeira”.
Um chá para comemorar a gripe!

Como o Fred tinha compromisso para o dia seguinte, ele foi embora no sábado mesmo, então eu escalaria a via em estilo solitário.

Às 7h30, após uma aproximação rápida, iniciei a escalada. Como as duas primeiras enfiadas são bem fácies, toquei em solo de tênis mesmo para ganhar tempo. Estabeleci como meta, fazer as duas enfiadas de sexto na sombra e o restante com Sol. A 3ª enfiada é um 6ª grau de 55m com 5 proteções. Separei as 5 costuras para facilitar as contas e parti! Primeira lição do dia para levar para vida! Não experimente novas técnicas de escalada numa enfiada de 6º grau! Julguei que poderia otimizar a escalada usando uma técnica que nunca tinha testado antes e me enrolei todo na escalada. Não bastasse a escalada difícil ainda tive que lidar com a bagunça da corda, mas no fim, a enfiada saiu sem maiores problemas.

Vendo o tamanho da encrenca…
Gerenciando a corda.

A enfiada seguinte, segundo o croqui seria a enfiada crux da via, com outro lance de 6º grau numa enfiada em diagonal à direita. Estudei bem o croqui e memorizei que entre a 3ª e 4ª chapa em diagonal seria o crux. Costurei a 3ª chapa e não consegui ver a 4ª chapa. Como o croqui sugere que a 4ª chapa está perto de uma vegetação, julguei que poderia estar escondido. Mais uma olhada para cima e visualizei uma vegetação bem sugestiva. O lance parecia difícil, digno de 6º grau, então resolvi arriscar até a vegetação. Toquei um longo esticão em diagonal até a mata e quando cheguei nela descobri que a chapa não estava lá!! Olhei para o lado e vi uma chapeleta a uns 3m à esquerda. Comecei a fazer as contas e conclui que: ou eu pulei uma chapa, ou a contagem estava errada. Como estava com pressa, toquei para cima até a P4. Na descida para recuperar a corda, descobri que eu tinha saído da linha da via e pulado uma proteção. Na verdade, o croqui está desenhado errado. A 4ª proteção não está à direita como mostra o desenho, mas sim à esquerda.

Saída da 4a enfiada.

A 5ª enfiada era para ser fácil, IV grau, 50m, duas proteções fixas e um Camalot opcional, mas quando olhei para enfiada fiquei um pouco preocupado. A parede continuava vem à pique e cheia de vegetação. Conforme e descrição do croqui, achar 2 chapeletas naquele mar de tufos de terra seria o crux da enfiada. Depois eu achei pelo menos dois relatos na net de pessoas que se perderam nessa enfiada (aqui e aqui). Acreditei no IV grau e fui tocando no instinto. Num lance de sorte achei a 1ª chapa. Toquei mais um pouco e logo o Sol virou e não conseguia enxergar bem a parede. Toquei mais um pouco e consegui ver a 2ª chapa na sorte. Depois, achei a fenda e a parada sem maiores problemas.

Na P5, descansei um pouco num pedaço de sombra que achei e depois toquei a última enfiada até o cume.

Cheguei no cume às 10h30, após 3h de escalada e fui procurar o livro de cume junto à árvore vermelha, mas parece que ele foi consumido…

Croqui atualizado.

Bebi o restante do meio-litro de água que tinha levado e iniciei a descida. Durante a escalada fiquei um pouco preocupado com o rapel da P4 para P3. Nesse trecho, o rapel passa por um platô de mato e fiquei com medo de a corda ficar presa em alguma coisa. Por causa disso, resolvi descer pela via “Presente da Águia” que fica ao lado. Em 3 rapéis já estava no início do rampão e desci o restante caminhando para ganhar tempo.

Vista do cume!
Cume!

Antes do meio-dia, já estava na sombra do camping me hidratando e comendo o resto da janta. Ninguém merece esse Sol de Pancas…

Antes de ir embora, passei na Dona Joana. Dessa vez ela estava feliz da vida por alguém ter repetido a “Minha Casa”. Ela me falou que acompanhou toda escalada da janela de casa.

Comentários

Uma resposta em “Pancas em dois atos”

O cara é tão fissurado que consegue escalar em solitário e tirar foto dele mesmo escalando, kkkkkk

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