^ Pedra do Pontal em Itaguaçu.
Tento, em vão, achar qualquer protuberância na rocha que possa ser usada como agarra de mão. No desespero, tateio a rocha, pois para os meus olhos, tudo é liso. A minha mão esbarra, sem querer, em alguma coisa que lembra de longe, uma saliência. Tento procurar algo melhor, mas logo concluo que aquela saliência é “o que tem para hoje”. Olhos para os pés e idem, tudo liso. “Chapo” o pé na aderência e tento me convencer de que aquilo é uma agarra de pé e me puxo na esperança de encontrar algo melhor mais acima. Estico-me até o ponto sem volta, subo a mão livre e como num toque de mágica, acho uma agarra salvadora e volto a respirar novamente. Dou mais uma dominada, nem olho para baixo porque não quero saber onde ficou a última proteção e rapidamente puxo a furadeira para bater a parada e fechar uma enfiada cheia de 60m de pura emoção. Na segurança da parada, olho para cima e “jogo a toalha”, eu estava no meu limite. Considerei razoável descer dali mesmo e deixar a conquista do cume para próxima investida, afinal de conta, ainda tinham 4 rapeis, uma aproximação e mais 3h de estrada até Vitória. E tudo isso sozinho.

O dia começou cedo, para variar 4h45 estava na estrada rumo ao norte do Estado passando pela cidade de Colatina até a localidade de Santa Joana. A região é bem familiar para mim. Nesse conglomerado de pontões de granito há diversas vias tradicionais e algumas fendas de excelente qualidade. O objetivo do dia era conquistar em solitária uma via na face norte da Pedra do Pontal, um monólito de aproximadamente 650m de altitude em relação ao nível do mar e que no seu cume há diversas antenas de telecomunicação. Já tinha visto esta pedra em outras idas à região, mas sempre a considerei uma “pedra secundária”, principalmente porque a face mais fácil era enorme e voltada para o Sol. Mas dessa vez, criei uma teoria idiota e considerei que seria plausível conquistar uma via ali. A final de conta, estamos no auge do inverno e o clima está bem agradável nessa época do ano, a ponto de conseguir ficar o dia inteiro na pedra “chapando” (???)

Conforme estudo prévio no Google Maps, fui direto a uma propriedade que dá acesso à base da pedra. Apresentei me e expliquei as minhas intenções ao dono:
– Bom dia, meu nome é Naoki e gosto de subir nas pedras nos meus tempos livres. Gostaria de saber se eu posso passar pela propriedade do senhor para acessar a pedra.
O senhor que eu esqueci o nome, sem entender bem, prontamente liberou o acesso e completou:
– Você pode subir por aqui até o curral. Estou indo para lá agora e posso te acompanhar.
Ótimo, assim me poupa de sair varando mato, pensei! Peguei o haulbag lotado de material de conquista e fui com o dono. Ele estava apenas com um balde vazio na mão foi a mil na frente. E eu com aquele peso nas costas me esforçava para acompanha-lo. O meu orgulho não deixava pedir arrego e dizer: O senhor pode ir mais devagar que a minha mochila de 30kg está me matando?
Acompanhar ele já era difícil, mas mais difícil ainda era manter a cara de serenidade no rosto para conversar com ele. Tentava responder a bateria de perguntas sem aquela voz ofegante. Assim que chegamos no curral dei graças a Deus. Despedi-me dele e pude seguir o restante da caminhada no meu ritmo, de tartaruga paralítica.
Cheguei na base da montanha pela crista da pedra até ela ganhar bastante inclinação. Dei uma boa descansa e comecei a conquistar o primeiro trecho. Era um trecho que daria para ir de tênis, mas se eu caísse, iria rolar por uma das vertentes até o fundo do vale e com uma mochila pesada, achei que fosse mais prudente fazer do jeito mais conservador. Estiquei até a P1 sem bater nenhuma proteção e fiz o mesmo na segunda enfiada. O meu objetivo era buscar uma grande fenda à esquerda que estava a uns 150m da base. Na 3ª enfiada, dei uma guinada e conquistei uma longa travessia em direção à base do diedrão, batendo apenas uma chapa no meio da horizontal para ajudar no retorno.

Cheguei na base do diedro e logo descobri que a fenda era mais vertical do que o desejado e de qualidade suspeita. Espertamente montei uma parada numa pequena sombra e ali fiquei um bom tempo dando uma respirada e me preparando psicologicamente para enfrentar a fenda. Como a fenda tinha uns 70m e alguns desvios, resolvi dividi-la em 2 enfiadas. A primeira foi um misto de chaminé, aderência e oposição. Tipo, se uma técnica não desse certo partia para outra e assim ia revezando… Assim que a pedra mudou de ângulo e o estilo da fenda mudou, bati uma parada. A 5ª enfiada era a continuação da fenda, mas dessa vez por uma sequência mais tranquila em oposição constante até ela sumir de vez. Bati a P5 no final da fenda e ali fiquei. Cheguei bem cansado na parada, em parte porque o sol estava bem forte, mesmo sendo inverno. Além disso, o desgaste psicológico de conquistar em solitária estava cobrando seu preço. E para piorar, dali para cima era uma aderência eterna que só ia ficando mais inclinada.



Descansei um pouco, peguei exatamente 10 chapeletas e fui à luta. Mirei uma virada e fui conquistando, chapa após chapa. A medida que ia progredindo a rocha ia ficando cada vez mais inclinada na mesma proporção do meu cansaço e inchaço nos pés por causa do calor.
Mesmo com todas as dificuldades da conquista, a 6ª enfiada ficou muito bonita e consistente com muitas passadas de leitura e um belo crux de 5º SUP no final para coroar a enfiada.
Por causa do calor e do cansaço desci da 6ª enfiada faltando conquistar mais duas ou no máximo mais 3 enfiadas para bater no cume. Poderia conquistar mais uma enfiada, mas àquela altura a escalada já não estava mais sendo agradável e como a montanha não vai sair de lá, resolvi descer e agilizar a volta até Vitória.


Batizei a via de “Tempestade Solar” que o nome dado a um fenômeno de interação eletromagnética provocada pelo Sol na Terra e que tem como uma das consequências, causar interferência no sistema de telecomunicação. Sol, calor, antenas no cume da pedra… Tem lógica né?




One Response
Muito bom! Essa pedra é mó imponente, só de pensar na liseba a mão sua!
Parabéns pela investida e se mudar de ideia em conquistá-la em solitário, a partir de semana que vem tô na área!
Abs