Sempre que programo uma escalada fácil fico com “um pé atrás” porque “não existe escalada fácil”. Há dias bons e dias ruins!
O último domingo foi um desses dias. Escalada tranquila, numa montanha que já tinha ido três vezes, conquista curta (variante), sem surpresas em mente. A ideia era conquistar uma variante da via “Boca Seca” na Pedra do Tubarão em Pancas. Já tinha visualizado essa linha desde a primeira vez que estive lá em 2018, mas sempre acabei deixando de lado porque achava que seria uma escalada “inofensível”.
No domingo, aquele esquema de sempre: acordar cedo, pegar estrada no escuro, catar o Iury em Colatina e partir para Pancas!
Assim que chegamos no contorno de Colatina, num ponto elevado onde é possível ver toda cadeia de montanhas de Pancas e Águia Branca vimos que o tempo estava muito feio para aqueles lados. Eu vi 4 previsões e em apenas uma havia a possibilidade de chuva para essa região. Então nem dei muita bola, mas pelo visto foi a única previsão que estava certa…
Mesmo assim seguimos até Pancas, vai que… Mas quanto mais chegávamos perto de Pancas, mais a chuva apertava. Fomos ao camping do Fabinho para pensar com mais calma e decidimos dar um tempo. Afinal de contas, não eram nem 7h da manhã. Segundo minhas estimativas, poderíamos esperar a chuva parar até às 9h. Nesse meio tempo, resolvemos explorar a região de carro em busca de possibilidades futuras e fomos até a “Pedra da Jararaca” que fica ali perto. Sempre tive muita curiosidade para saber como era essa pedra, mas não vimos nada que pudesse atrair a nossa atenção.
Voltamos para Pedra do Tubarão e a pedra ainda estava bem encharcada com a chuva da manhã, mas já era possível ver o céu se abrindo a leste e o dia prometia ser bem agradável.
Resolvemos encarar a aproximação subindo bem devagar enquanto a pedra ia secando gradualmente. Sabia que a caminhada iria consumir um bom tempo, por haver um trecho de mata bem fechada que costuma atrasar a aproximação.
Deixamos o carro por volta das 9h da manhã e nos entretemos por 1h na caminhada. O trecho final da aproximação passa por um “mato sem cachorro” que é sempre desanimador.
Chegamos na base da linha pretendida que fica à esquerda da via Fissura das Deusas e nos preparamos na base de um grande diedro em oposição.
Às 10h30, ainda sem pressa, iniciei a conquista. A essa hora a pedra já estava minimamente mais seca, o que me deu uma boa confiança para me arriscar normalmente. Venci o belo diedro “lambendo os beiços” a ponto de esquecer da chuva da manhã e de todas as preocupações que nos atormentavam.
Como a linha fez um “Z”, o atrito aumentou significativamente mesmo usando fitas longas, então resolvi montar uma parada a 30m.
Por aqui, o padrão é montar parada a cada 60m, às vezes até 65m, para ganhar cada centímetro, mas em vias móvel isso nem sempre é possível, nem desejável.
A próxima enfiada seria o trecho de agarrência para ganhar o base da fenda que estávamos perseguindo desde o chão. Também era o trecho que mais me preocupava devido à chuva matutina, mas na hora, a escalada se mostrou bem tranquila. Tranquila, até começar a garoar de leve novamente, mas por sorte, os bolsões de chuva eram isolados e passavam rapidamente.
Seguindo o padrão, essa enfiada também acabou ficando com apenas 30m, até a base da fenda. Considerei emendar para esticar um pouco mais, mas assim que observei o lance seguinte, achei melhor “quebrar” no platô, porque o lance seguinte parecia bem “casca”.
Chamei o Iury e ficamos um pouco na parada que era bem confortável para “um almoço de domingo” regado a barra de proteína e água.
A saída da enfiada seguinte se mostrou bem exigente (VII SUP?). Passei em artificial deixando a enfiada pronta para livrar na próxima repetição. Mais acima, a fenda que dava para ver de longe se mostrou “cega” e a progressão acabou demorando mais do que o esperado. Por sorte, levei um molho de pítons que foram muito úteis nesse trecho. Teve espaço para piton lâmina, lost arrow e angles. Passado o lance, tive que contornar o trecho mais vertical por fora da vegetação para finalmente encontrar a fenda perfeita que estávamos procurando. Pena que essa brincadeira não durou muito tempo e logo a pedra perdeu inclinação e a escalada ficou mais fácil.
Mais uma vez deixei a enfiada curta, pois sabia que o segundo iria ter problema no boulder da saída. Se deixasse a enfiada cheia, numa eventual queda do participante, ele poderia acabar batendo no platô devido à elasticidade da corda, mesmo deixando a corda bem tensionada.
A enfiada seguinte foi só um protocolo para chegar no platô que emenda com a “Boca Seca”. Dali para cima era só escolher uma das três (ou quatro) opções para chegar no cume. Inclusive o nome “Você Decide” nasceu nesse platô em referência a essa possibilidade. Se alguém estiver lendo esse post com intenção de repetir a via, recomendo pegar a fenda da esquerda, Fissura das Deusas, é a melhor de todas!
Chegamos no cume por volta das 15h30. Acabamos nem subindo até o livro de cume e dali mesmo iniciamos a descida, pois tínhamos apenas 1h30 de luz para descer a via e caminhar de volta até o carro.
Preciso admitir que a via não é melhor do que a “Fissura das Deusas”, mas tem bons momentos de emoção. Talvez seja uma excelente opção para quem quiser passar o dia na pedra repetindo as 3 vias da trilogia, já que todas não passam de 200m de extensão.
Por fim, agradecimento ao Iury por dar “os pulos” na agenda de trabalho para participar dessa conquista e ao Fabinho que sempre nos dá todo suporte para as conquistas na região.
Calogi
Já no dia anterior estive no Calogi com o Lissandro, Yasmin e uma galera que esteve espalhado pelo pico. Nesse dia, o Lissandro mandou seu primeiro 9a com a via “Batida Macabra” que vinha trabalhando sistematicamente há mais de um mês. Cadena bonita e na raça que rendeu até pizza depois da escalada.
Da minha parte dei mais três pegues no projeto Misto Quente. Dessa vez, em vez de focar no boulder do crux, resolvi entrar sempre da base para sentir o drama da resistência para fazer o lance final. Achei que com o passar das entradas, total de três, iria me sentir melhor, mas essa teoria acabou se mostrando errada. Na última vez, há um mês, senti que poderia mandar o projeto, mas dessa vez cai na realidade e vi que preciso melhorar muito para chegar sólido e passar o lance sem ser na loteria.
Depois inventei uma variante bem legal da via Metrô-sexual (8b) que emenda na Linha Final (8b). Batizada de “Linha Sexual”, essa combinação reúne o que as duas vias tem de pior e o melhor de tudo: sem as quebras de ritmo, garantindo uma escalada de muita resistência. Propus 8c para essa combinação. Também acho que rola fazer o mesmo e tocar até a parada da Linha Final Extension, que deve dar um 9a de resistência com 3 boulders na sequência.
Segue o croqui atualizado do setor:
2 respostas em “Você Decide”
Via ficou bem legal, e pra mim cada vez aprendo um pouco mais e fico mais feliz de ajudar em alguma coisa nessas conquistas, obrigado o convite sensei.
Boa garoto! Agora tem que voltar para escalar todas!