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A última cartada

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Face noroeste da Pedra São Luis, Castelo – ES.

Em novembro, a nossa patotinha se desfez e cada um seguiu o seu rumo. Ninguém aguentava mais tanta roubada. Eu tirei férias e fugi, literalmente, para o outro lado do mundo. Depois veio o Natal, ai escapei para o sul e até escalei como gente normal na Gruta. Escalada esportiva, caminhada tranquila, vias negativas, escalada decente…

Mas quando volto do Sul, eis que o Afeto aparece no Face depois uma temporada no Rio de Janeiro:

– Montanha!!!!!! Partiu!!!!

Era um sinal, um mau sinal!

Eu estava cansado do ano; foi um ano muito cheio. Então joguei um verde para ver se resolvia. Falei para ele de Calogi. Quem sabe, no máximo, conquistar uma via em Calogi, mas ai ele respondeu:

– Montanha! Castelo!!!!

Ai as minhas antenas entraram em ação! Opa, Castelo não é coisa para se jogar fora. Mas eu estava cansado. Então resolvi convidar o DuNada, assim se ele topasse, iriamos para Castelo. Truco!

– Boráaaaaa!!!!

É outro fominha… Ai eu fuck myself… Não teve jeito… A barca estava armada.

Pé na estrada!

A ideia original era entrar na “Fenda Yosemite”. Uma linha que tínhamos começado há 2 anos, mas nunca voltamos por ser muito hard. Então joguei outro verde durante a viagem:

– Que tal, em vez de entrar na “Fenda Yosemite”, tentar a face noroeste da Pedra São Luis que é “bem fácil”? Assim faríamos uma escalada tranquila, de quebra faríamos um cume no mesmo dia e fecharíamos o ano com chave de ouro! Seria A Última Cartada do ano! Sacaram?

Acho que a parte que os dois mais curtiram foi a parte “mais fácil”. Até porque eles já sabiam que o resto tudo era mentira…

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Aproximação tranquila, mas pesada.

A face noroeste da Pedra São Luis é dividida em duas partes. Uma parte inicial mais “tranquila”, separada por uma vegetação salvadora no meio, e o “headwall” na parte superior. Vide primeira foto do post.

A parte tranquila parecia melzinho na chupeta. Umas 2 enfiadas tranquilas e logo estaríamos no mato do meio.

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Conquistando a parte “fácil” da via. Foto: Caio Afeto.

Doce ilusão… A via até começou tranquila, mas acabamos tendo que colocar mais chapas do que o esperado. Eu estava achando que ia fechar a primeira enfiada de 60m com 3 proteções, mas acabou exigindo o dobro (matemática nunca foi o meu forte). A segunda enfiada parecia mais tranquila, e segundo os cálculos, iriamos bater no mato, mas erramos novamente. E feio. Como disse, matemática não é o meu forte. Esticamos mais 60m de corda e nada do mato! Peguei a 3a enfiada e fui com a certeza de que dessa vez iria bater no mato! Fui esticando, esticando… Daqui a pouco a pedra começou a ficar estranha, inclinada e acabei fechando o lance com passadas de 6o em aderência (stricto sensu). E nada do mato! Na verdade a corda acabou bem no começo do famigerado mato! Ou a sombra da salvação!

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Afeto no começo da 2a enfiada. Toda a primeira parte transcorre por esse sistema de calhas d´água que forma uma espécie de chorreras abauladas.

Nesse momento entrou em ação o nosso especialista em varrer mato, Roney DuNada e ele sumiu mato à dentro esticando uns 60m de trepa mato.

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O lado menos glorioso da escalada tradicional, o trepa mato.

Chegamos nesse platô no auge do calor. Depois de torrar por algumas horas num sol de 40 graus, a sombra veio na hora certa para reanimar a equipe. Um descanso, um gole d´água, um panetone e estávamos pronto para a segunda parte!

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Dava para fritar um ovo na pedra.

Varremos a pedra de um lado para o outro a procura de uma brecha para dar continuidade. E por incrível que pareça achamos uma única brecha em 200m de largura. Como diria meu amigo Pedro Pires, eu fico abismado com essas coisas. Se não tivesse essa brecha teríamos que descer dali mesmo porque a pedra era muito inclinada e totalmente sem agarra, mas como que numa dádiva de Deus, lá estava a única passagem para a parte superior. Uma laca de uns 10m passando pelo único corredor de cristais de toda a pedra!

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Início da 5a enfiada. Passando pela única janela escalável. Foto: Caio Afeto.

Mandamos bala por esse corredor passando por lances incríveis em cristais sólidos até fechar a enfiada numa travessia à direita que lembra de longe, mas muito longe, a travessia da Dawn Wall.

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DuNada pela corda fixa na 5a enfiada.

Apróxima enfiada seria o filé da via! Chegamos na base de um grande diedro fendado de uns 25m. Como tínhamos levado pouco móvel, o Afeto sofreu um bucado para conquistar esse trecho. Conquistar 25m com 3 peças foi bastante adrenante de se ver… Mas o garoto mandou bem e fechamos umas uma enfiada com o sol já querendo se pôr no horizonte.

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Afeto conquistando a 6a enfiada.

Como já estávamos na capa da gaita, resolvemos descer dali mesmo e deixar o resto para uma próxima investida. Até porque ainda tem muita pedra para cima. E assim, mesmo não tendo feito cume, descemos felizes por termos conquistado quase 250m de via em um único dia de escalada.

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Montanhas capixabas ao entardecer.

Agradecimento especial ao Afeto e DuNada que sempre levam na “esportiva” as “aventuras tradicionais”. E a família que, num lapso inaceitável de memória esqueci o nome, nos recebeu de forma tão acolhedora a nossa invasão.

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 Croqui parcial da via. Pelo andar da carruagem vem bomba lá para cima…

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2 respostas em “A última cartada”

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