Arapoca, a roubada!

^ Da esquerda para direita, a Pedra de Arapoca, a Pedra do Fio e a Pedra do Cabrito.

Duas semanas atrás fui para o Cipó com os comparsas mais fanáticos da esportiva capixaba (Rebit e Felipe). Trip irada, muita escalada e muitas cadenas. Na semana passada fui para Pedra Riscada com a galera da escalada tradicional capixaba (Zé, Amaral e Eric) e fizemos a via Moonwalker (1010m) em 16h entre escalada e descida! Um aproveitamento acima do esperado.

Já no último final de semana… A escalada foi com o DuNada, o mestre de todas as roubadas… Se você for ver as postagens passadas que envolvem roubadas, pode ter certeza de que o nome “DuNada” sempre estava presente.

Para falar sobre a escalada do final de semana, antes, é preciso ler esta postagem do DuNada para entender melhor a história.

Em suma, no final de 2014 (!!!), o DuNada, Dudu “Teto Preto” e o Taffarel iniciaram uma conquista na face norte (a face que mais pega sol) da Pedra de Arapoca em Castelo. Naquela ocasião, eles conquistaram oito enfiadas (480m) até chegar na parte mais “aplumada” da rocha e desceram dali, em parte devido à inclinação da parede e também ao sol castigante.

Eles acharam que a via seria “tranquila”, mas como a realidade se mostrou bem diferente, deixaram a conquista de lado e foram abrir outras vias mais tranquilas na região. Assim, nos anos subsequentes, nasceram as vias Caracachenta, De galho em galho, Planeta Vermelho, Estrela D´Álva, Hidrante e Agulha no Palheiro.

Para mim, a Pedra de Arapoca é uma velha conhecida. Ela é uma pedra “anexa” que fica ao lado da famosa Pedra do Fio, e em conjunto, forma uma das paisagens mais icônicas e impressionantes daquela região, senão do estado. Ainda lembro com muita clareza a primeira vez que fomos ver essa pedra. Num final do dia, DuNada, Afeto e eu fomos namorar a Pedra do Fio e o DuNada encasquetou com a Arapoca. Eu olhei para aquele mar infinito de granito e disse que não queria abrir uma via ali porque seria muito sofrimento. Além disso, daquele ângulo, a pedra parecia bem positiva. Abrir uma via de quase 1000m de rampão? Eu fora! Mas o DuNada conseguiu iludir os meninos e foram fazer a conquista. Logo descobriram que o rampão era apenas uma grande ilusão.

Face Norte da Pedra de Arapoca (à esquerda).

O tempo passou, quase dois anos e meio, e nas resoluções de início de ano fizemos um acordo: DuNada me ajudaria a terminar a via na Pedra Pontuda e eu ajudaria ele em Arapoca. Que furada…

Assim, no último final de semana, lá fui eu até a região de Arapoca para finalizar uma conquista adormecida…

Cheguei na base da via na sexta-feira a noite. Nos encontramos na base da via e ali montamos um pequeno acampamento em meio aos pés de café. Do acampamento era possível ver a silhueta da pedra e logo de cara pude constatar que a pedra era gigante e que a face da via não era tão “rampada” assim. Mas mesmo assim, o DuNada repetia, quase como um Mantra: A via é cheia de agarras! A via é cheia de lacas! A via é fácil!

No sábado de manhã, acordamos às 4h, comemos forçados um pão com queijo e salame e partimos para base da via. A nossa estratégia para repetir o primeiro trecho seria: o DuNada guiar as quatro primeiras enfiadas e eu as outras quatro.

Assim que o DuNada chegou na P1, tive que colocar nas costas um haulbag lotado de material até o talo. Como estávamos planejando subir para ficar 2 dias na parede, além do material de escalada que incluía quase 50 chapeletas, ainda levávamos o material de bivaque, comida para 2 dias e 10L de água.

DuNada abrindo os trabalhos. Segunda enfiada da via.

A jumareada só não foi pior porque a visão do amanhecer era absolutamente incrível. Aliás, eu acho que essa via tem um dos melhores visuais do Espírito Santo. Da via, é possível ver pedras como, a imponente Pedra do Fio, o Forno Grande, Pedra do Dedo, Pedra da Bandeira, Falésia de Apeninos, Pedra Azul, São Cristóvão, as montanhas dos Pontões de Castelo, além de outras montanhas sem nome da região.

Amanhecer na região. Ao fundo, o Pico do Forno Grande.
DuNada no início da 3a enfiada.

Na P4 assumi a ponta da corda e passei o fardo para o DuNada! Que alívio!!! A minha primeira guiada foi na 5a enfiada, uma enfiada um pouco mais difícil com racionamento de chapeleta. Levei alguns minutos para me acostumar com o estilo da via, mas logo em seguida já estava me sentido mais à vontade, pois rapidamente descobri que o segredo para escalar essa via seria ter a mente totalmente vazia de qualquer pensamento aterrorizador e tocar para cima.

Chegamos na P8 por volta das 11h da manhã. Olhei para cima e confirmei o que os meninos tinham visto anteriormente, a parede ficava mais inclinada! O DuNada tinha lido uma passagem por uma canaleta d´água, mas de canaleta eu estava até o pescoço depois de ter escalado a Pedra Riscada. Vi uma boa possibilidade mais à esquerda, por uma laca que parecia aceitar algumas peças. Seria muito legal deixar a via bem eclética, então resolvi apostar nela e sai pedra acima. Mais alguns metros acima, a fenda sumiu e tive que cair para dentro de outra canaleta e assim nos mantivemos nela até a P10.

Da P10 a visão era bastante frustrante, pois desde o final da oitava enfiada a pedra mudou radicalmente e todas aquelas agarras e lacas que estavam onipresente até a P8 simplesmente sumiram e só restaram uns “cata milho”. Apostei numa contornada à esquerda mirando uma árvore lá no horizonte. Consideramos que lá poderia ser o nosso bivaque e assim partimos! Como o progresso à vertical estava difícil, fui contornando à esquerda à procura de uma passagem para cima. A essa altura, o sol estava muito castigante e eu estava muito cansado. Em algum momento, enquanto procurava uma boa sequência, o tempo virou rapidamente e começou a chover muito de leve. Aquilo foi a brecha que precisava para encerrar o dia e procurar um bom platô para o bivaque. Como não chegamos no platô da árvore, começamos a olhar em volta para ver se encontrávamos um bom local para passar a noite. O único lugar que conseguimos chamar de bivaque foi um pequeno platô entre a P9 e a P10, já fora da via. O “platô” tinha uns 5m de comprimento e uns 80cm de largura antes de o mesmo inclinar em direção ao vazio.

Batemos duas chapas em cada lado do platô e montamos um “varal” para passar a noite ancorado. Enquanto isso, o tempo ia degradando cada vez mais e a chuva que antes se resumia a alguns pingos começou a aumentar gradativamente. Assim que arrumamos as coisas, ficamos curtindo o visual da região e vendo a chuva cair no entorno. “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”, curtir a chuva caindo na cabeça dos outros é massa. Ainda mais quando acompanhado de raios e trovões.

Só que uma hora a chuva nos achou e o que era bonito virou um aguaceiro sob nossa cabeça. Pimenta nos nossos olhos! Guardamos tudo dentro de uma sacola plástica e nos abrigamos debaixo de um cobertor de emergência. Com o passar do tempo, a água da chuva foi acumulando na parte alta da montanha e aos pouco começou a escorrer pela parede. Para o nosso desespero, o nosso platô ficava bem no meio de uma dessas canaletas d´água e em poucos minutos dava para sentir as costas e a bunda molhada. Tentei me ajeitar melhor sentando em cima das cordas e pensei: pô, se molhar o “cofrinho” é muita sacanagem… Não sei quanto tempo a chuva demorou, pois como estávamos tão cansados, acabamos dormindo e só acordamos depois que a chuva parou.

Fomos ver o tamanho de estrago no platô e nos preparamos para dormir de verdade. Logo ficou claro que o platô não comportaria 2 pessoas deitadas. Dormir abraçado, jamais! Então montei a rede nas duas chapeletas e o DuNada ficou com o chão encharcado. Jantamos qualquer coisa e fomos tentar descansar. Entrei na rede e desmaiei novamente! Horas depois, o corpo começou a reclamar do desconforto. Como a rede ficou montada numa parede positiva, ficava imprensado contra a pedra e simplesmente não conseguia me mexer dentro dela. Mover me dentro da rede era um suplício, isso sem contar a possibilidade de cair dela e sair rolando. Apaguei novamente e em algum momento fui acordado outra vez com uma segunda leva de chuva. A essa altura já não tinha mais o que fazer, só me restou aceitar chuva e me deixar molhar torcendo para que a chuva parasse o quanto antes. Horas, ou minutos depois, a chuva parou e fui acordado novamente com dores pelo corpo devido à condição de enlatado. Pelo menos a chuva tinha parado e o céu limpado, expondo todas as estrelas do universo a minha frente. Foi uma visão surreal ver a Via Láctea cortando o vale com a Pedra do Fio ao fundo. Fiquei viajando nas estrelas e contando as estrelas cadentes até cair no sono novamente. Acordei com a luz da manhã. Que alívio ver a luz do dia! E o melhor de tudo, sem chuva! Enquanto isso, o DuNada roncava loucamente no chão molhado. Eu tenho a impressão de que ele estava tão cansado que não curtiu nem a metade da noitada. Que inveja…

Nosso platô onde passamos uma noite seca e confortável, sqn… Sim, alí tem uma pessoa…
Visão ao amanhecer, nada mal.

Tirando a tripa d´água que continuava escorrendo no platô, o resto da pedra estava minimamente molhada. Juntamos as coisas molhadas e subimos pelas cordas fixas para continuar os trabalhos! Afinal de conta, todo sofrimento noturno tinha que ser justificado.

DuNada voltando aos trabalhos após uma boa noite de sono.
Enquanto isso, uma selfie para posteridade…

Continuei os trabalhos na 11a enfiada seguindo a horizontal até encontrar um veio de aplito subindo em direção ao platô que tanto almejávamos no dia anterior. O veio lembrou um pouco a famosa via Snake Dike no Half Dome, porém na versão capixaba ele era menor, mais inclinado e sem agarras… Mas era o melhor que tinha… Bati a parada da P11 na base do dique e dali tocamos pelo dique até a P12, abrindo a enfiada mais difícil de toda a via, provavelmente um 6o SUP ou mais.

Chegamos no platô que na verdade não era beeeeem um platô, mas sim um mato descaído. Olhamos para cima e parecia do que cume estava muito perto! Empolgado, toquei para cima, ou melhor, para o lado, tentado fugir de uma parede vertical em direção a um “costão”. Assim que cheguei no “costão”, descobri que o mesmo era uma placa vertical lisa! Aquilo foi um golpe muito duro na moral. Era para ser cume! Era para ser fácil! Para piorar mais ainda, nós estávamos racionando chapeletas… E aquela parede lisa me parecia impossível de vencer sem bater uma boa quantidade de chapa que não tínhamos. E como toda via estava em livre, estava relutante em ter que passar com furos de cliff. Para mim, fazer furos de cliff e cavar agarra é quase a mesma coisa… Fiquei ali um bom tempo assimilando tudo aquilo. Passei um tempo tentando resolver o quebra-cabeça e de repente achei uma saída. Esperança! Resolvi o lance poupando ao máximo as chapas e sai do sufoco, sem antes passar por alguns apertos. Logo acima, mais uma desilusão! Outra parede vertical intransponível a frente! Mais uma vez tive que buscar um desvio, dessa vez à direita em busca de outra passagem. Toquei o máximo que pude até chegar num platô decente onde bati a P13 e chamei o DuNada.

DuNada chegando na P13.

Dali para cima parecia que o cume estava perto. Talvez uns 60m ou talvez uns 160m. Essas coisas enganam muito… A essa altura o nosso estoque de chapas estava zerado. Não tinha mais como prosseguir, nem em “modo esticão suicida”, pois não tinha como bater parada para descida. Considerado tudo isso, e o fato de o calor estar castigante, resolvemos descer dali e deixar o cume para a próxima empreitada. Desistir de um cume tão perto do final é muito frustrante, mas faz parte do esporte. A montanha vai continuar lá! Basta voltar lá outro dia! Já fizemos isso no passado e não será a última vez. Às vezes, saber desistir é saber ganhar.

Apesar dos imprevistos e apuros, preciso admitir que a via está ficando incrível. Com certeza, será uma das vias mais bonitas e constantes da região. Até o momento, a via tem aproximadamente 750m de extensão com expectativa de fechar com 900m. E o melhor de tudo, com uma das paisagens mais belas do toda a região.

Por fim, preciso agradecer ao DuNada pelo convite para ajudar na empreitada, mesmo sabendo que ele só me convidou porque a via ficou ruim para o lado dele. Convidar para comer churrasco não me convida, mas para bater chapa em granito chapiscado é na hora!

Croqui

Croqui parcial da via!

Na volta para Vitória, uma paradinha num mirante que sempre dou um tempo. Ao fundo, o Pico do Forno Grande.

Comentários

Uma resposta em “Arapoca, a roubada!”

Boa Japonês!!! Mesmo com várias inverdades a meu respeito… O post ficou mt legal!!! E aquela foto q vc tirou minha no início da quarta enfiada… Vai querer ganhar q premio com ela?!? kkk Pode inscreve-la em qq coisa q ganha, mas em contrapartida teve a foto deitado no plato molhado pra mostrar a realidade. Valeu a trip, Mestre das Roubadas!!! Esse ano tá balanceado… Arapoca x Pontuda… kkk Mas os anos anteriores: Pedra da Bandeira, São Luiz, Penha… As roubadas pro norte do ES… kkkkkk Essa trip foi pouco pra pagar!!! No mais, to muito agradecido pela força… Espero esta naquele cume numa trip em dias mais frescos!!! Abraço

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