Se eu tivesse que escolher a montanha mais impressionante do Espírito Santo, essa montanha seria os Três Pontões de Afonso Cláudio, não só pela beleza, seu valor histórico no montanhismo nacional e capixaba, mas também por toda relação que criei ao longo dos anos.
Conheci pela primeira vez, meio que sem querer, em 2009 quando fiz um rolê pelo Estado para desbravar o interior, pois havia acabado de me mudar para o Espírito Santo. Mas foi somente em 2014 com Afeto, Zé Márcio e o Amaral que pisei pela primeira vez no cume da Principal e do Tubarão.
No seguinte, voltei com Robindo, Afeto e DuNada para concluir a conquista da Boca da Serpente, uma das conquistas mais memoráveis e incríveis que já fiz.
Nesse mesmo ano, voltei novamente, mas dessa vez com Gillan para repetir a clássica Inferno na Torre no Dedinho. Nessa repetição, visualizei uma incrível fissura frontal de dedo na Agulha Principal. Semanas depois voltei com Robinho e o Sertã para conquistar essa fissura, batizada de Garganta Seca.
Logo em seguida, no mesmo ano, voltei novamente a Garganta Seca, dessa vez com o Gillan para fazer a extensão da via que levasse ao seu cume, nascendo assim a Garganta Profunda, a segunda via que leva ao cume da montanha, depois da via da Conquista.
No ano seguinte, em 2016, voltei com Eric para tentar liberar todas as enfiadas da Garganta Profunda, mas acabamos não conseguindo.
Essa pendência acabou ficando no campo da procrastinação e o tempo foi passando até eu perceber quer essa ano já estávamos em 2023!
Sete anos se passaram desde aquela missão com Eric. Parece que foi ontem. Na época, eu tinha trinta e poucos anos e já sou quarentão atualmente. Essa semana, enquanto arquitetava o plano de voltar a via com Chuck, ficava pensando sobre isso. Será que consigo dar conta do recado? Ou será que vou tirar de letra a via? Muitas dúvidas, e apenas uma certeza! Eu precisava voltar lá!
Em 2020, eu acho, o Guizzardi repetiu a via com Gillan e liberaram a enfiada que estava faltando, então eu já sabia que era possível escalar em livre na íntegra.
Mesmo tendo dúvida sobre meu condicionamento, precisava inventar uma moda para me desafiar, assim nasceu a ideia de emendar das duas primeiras enfiadas da Garganta Seca, totalizando 50m de escalada em fenda, por vezes até negativa. Para mim, escalar essas duas enfiadas em um único tiro sempre foi a linha mais natural, mas é uma escalada desafiante. Primeiro, teria que levar mais móvel do que o padrão. Assim, separei dois jogos e meio de friends e um jogo de nut. Além disso, teria o problema do atrito. Então imaginei que uma corda dupla ajudaria a reduzir o peso, mas, mesmo assim, seria preciso usar fitas longas e proteger mais espaçadamente a primeira enfiada.
Para o Chuck, essa seria a primeira vez na Principal dos Três Pontões e também a segunda vez na montanha. A primeira e única vez dele foi no Dedinho com o Amaral pouco antes dele partir.
A escalada
Assim como em 2016, usamos a mesma estratégia: bate-volta de Vitória, num único tiro.
Saímos de Vitória, às 4h30 e chegamos no cafezal às 7h. Tomamos um café no carro, separamos os equipos e iniciamos a caminhada às 8h pela aproximação da face sudeste.
Tivemos um pouco de dificuldade no costão inicial de 150m porque a pedra estava úmida, o que acabou atrasando a nossa aproximação, mas às 8h30 já estávamos na base e às 8h45 o Chuck começou puxando a corda pelas enfiadas iniciais da via Inferno na Torre até a base do Dedinho.
Uma coisa que chamou a nossa atenção logo na saída foi que encontramos marca de magnésio em algumas agarras. Isso é um coisa muito rara por aqui, pelo visto alguém andou por lá nesses dias.
Depois que a via Inferno na Torre entrou na lista das 50 Clássicas do Brasil, a montanha ganhou bastante movimento. Arrisco me a escrever que é uma das vias tradicionais mais repetidas do Estado.
Chegamos no colo entre o Dedinho e a Principal por volta das 10h20, após duas horas de escalada. Aproveitamos o conforto do platô e fizemos uma longa pausa para beber uma água e comer uns petiscos, pois dali para cima iriamos precisar de todas as energias. Pensando nisso, abandonamos alguns pesos extras, como água, comida extra e os tênis, tudo para ficar um pouco mais leve.
Às 10h45 entrei na fenda com a meta de emendar as duas enfiadas. Olhei para cima e confesso que deu vontade de desistir da ideia e escalar como gente normal. Mas quando lembrei do peso que trouxe para cima e da possibilidade de não saber quando iria voltar novamente, foquei na escalada e tratei de deixar a preguiça de lado.
A estratégia no início da enfiada foi proteger o mínimo necessário para cortar o atrito. Cheguei relativamente bem na P1 e me senti confiante para seguir o projeto e toquei para emendar a segunda enfiada. O crux da saída saiu fácil, então sabia que dali para cima era só manter o ritmo e tocar sem fazer besteira.
A medida que ia ganhando altura, o atrito começou a incomodar. Além disso, no trecho final, o tijolamente foi outro problema a ser gerenciado, mas no fim deu tudo certo e bati na P2 após 45 minutos de escalada.
O Chuck subiu de segundo com uma mochila mais leve e entendeu o significado do nome da via “Garganta Seca”, na prática! Acho que essa via é mais vertiginosa que a Inferno na Torre porque por esse ângulo, dá para ver os dois lados do abismo sempre que olha para baixo.
A P2 da Gargante Seca é uma parada suspensa e desconfortável. Pelo fato de a via ficar na sombra o dia interior e canalizar um vento gelado, passei um pouco de frio enquanto dava segue para o Chuck.
Dali para cima, o plano era seguir revezando, mas o Chuck contou uma história bem triste de que havia ido dormir tarde, que havia acordado cedo, que estava se sentindo muito cansando e tal…
Como sou fominha, nem me importei muito e segui tocando feliz da vida as enfiadas seguintes, dessa vez pela Garganta Profunda. O trecho final tem aproximadamente 60m e é toda em fixa com lances de agarrência em cristais sólidos. O problema desse trecho é a sujeira, que, na verdade, não é sujeira. Na verdade, são plantas, musgos, líquens e bromélias. A impressão que se tem é que você está escalando num jardim vertical. É muito bonito, mas dá um pouco de trabalho para achar as agarras e principalmente as chapeletas.
Por fim, cheguei na enfiada que eu havia caído na tentativa de 2016. A essa altura o Chuck já tinha abandonado de vez a ideia de revezar as enfiadas, então, nem precisei pedir para guiar essa, pois queria resolver essa pendência.
O boulder saiu com um pouco de leitura, mas os meus problemas estavam, literalmente, longe de acabar por aqui. Não consegui achar a 4a chapeleta da enfiada. Procurei muito até desistir e pular o lance. Depois, quando o Chuck subiu de segundo, falou que a chapeleta estava escondida atrás de uma bromélia que cresceu depois da conquista.
Chegamos cume às 15h, após quase 6h de escalada. Nem me lembrava mais que esse cume era tão legal. Tivemos a sorte de pegar um dia bonito sem nuvens, que nos permitiu ter uma vista privilegiada de toda região.
Assinamos o livro de cume e logo descobrimos que 20 dias atrás uma dupla havia chegado no cume pela via da conquista e 2 anos atrás, uma dupla de São Paulo havia repetido a via das Gargantas.
Às 15h30 iniciamos a longa descida e após cinco longos rapéis chegamos na base e às 17h já estávamos no carro para pegar um belíssimo por do sol para fechar a escalada com chave de ouro!
Agradecimentos ao Chuck por topar a maratona frenética e por ter me deixado guiar as enfiadas finais.
5 respostas em “Via das Gargantas, repetição”
Parabéns pela conquista! Fizemos a via das Gargantas dias atrás, incrível!!! Inicio de tesoura pela Inferno, depois a fenda e a agarrência das Gargantas… e muito mato, claro kkkk tradiconal escalada brasileira!!!
Que massa!!! Parabens!
Obrigado pela oportunidade Japa!
Nem de segundo foi fácil! kkkkkkkk
Incrível dupla, parabéns… Agora falta fazer a reposição em livre da boca da serpente em ??
Essa será massa! Bom que rola fazer no verao. Conquistamos em janeiro, lembra?