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Questão de estilo

Estilo, esse é um tema que comecei a escrever várias vezes, mas nunca consegui sair do rascunho porque é um tema muito amplo.

O termo “estilo” aqui não tem a ver com:

 “sentido de expressar algo artisticamente” (e.g. estilo neoclássico).

Estilo que me refiro estaria mais para:

“maneira especial para fazer qualquer coisa”.

No universo da escalada há uma infinidade de estilos e em cada modalidade há uma série de peculiaridades. Aqui, vale fazer um adendo para esclarecer que ética e estilo são coisas bem diferentes, embora a primeira vista, pode parecer algo parecido.

Ética é:

“um conjunto de regras e preceitos de ordem valorativo e moral”.

Por exemplo, conquistar uma via protegendo uma fenda com proteção fixa é uma quebra de ética e não um estilo de conquista. Embora não haja normativa que proíba. Você está sendo “apenas” anti-ético e conquistando uma via de forma (estilo) deselegante.

Raco de la missa, Espanha.

Numa “escala de valores”, o estilo estaria acima da ética. Não no sentido hierárquico, mas de valores. É como se estivesse escalando dentro do conjunto de regras e preceitos de uma maneira especial.

Outro aspecto interessante é que o estilo tem muito mais a ver com os “meios” do que o “fim”. No estilo, o mais importante é como você faz uma escalada e não o objetivo final, que pode ser um cume ou final de uma via.

Nesse sentido, o estilo mais limpo e elegante de encarar uma montanha seria subir solando e pelado! Inclusive ficou famoso há um tempo, o vídeo de um escalador pelado solando na pedra. Com certeza você deve ter visto e achado engraçado. Esse daí levou ao pé da letra o estilo mais puro da escalada.

Boulder em Krenak – MG.

Outro exemplo de estilo que me veio à mente foi de um escalador que mandou um boulder graduado em 8b+ francês de pés descalços. Se você for analisar a fundo, a sapatilha de escalada não deixa de ser uma trapaça aceita. Encarar uma aderência com uma sapatilha deixa a escalada muito mais fácil do que subir de pés descalços. Experimente mandar um V de aderência descalço!

Ainda no campo dos boulders, tempo atrás, uma turma no Japão (incluído o Yuji Hirayana) começou fazer os boulders antigos sem crashpad, porque eles falaram que originalmente foram conquistadas dessa forma. Também no país do Sol Nascente, o escalador Toru Nakajima tem um estilo peculiar de encarar os boulders. Para ele, o boulder precisa ser explorado de baixo, sempre. Nada de fixar corda para ver o topo, ou até mesmo escovar as agarras. Tá sujo? Sobe de baixo com a escova nos dentes, mas sem usar a escada.

No vídeo abaixo, de quando James Pearson e Caroline Ciavaldini foram ao Japão e escalaram com Yuji Hirayama, Nakajima aparece quase que como um coadjuvante, mas ali ele fala um pouco da sua filosofia e estilo de escalada.

No campo da esportiva, o estilo de escalada que mais aprecio é a escalada à vista. Existe uma diferença muito grande entre entrar numa via à vista e mandar na segunda (ou entradas posteriores). No fim, o resultado será o mesmo, encadenar!

Lembro que quando comecei a escalar, nós brigávamos para ver quem entrava à vista, pois o segundo, pelo fato de estar na segue, “perderia” o à vista. Quando estávamos em três era fácil, era só dar uma volta e voltar meia hora depois.

Alguns anos atrás, conheci um escalador carioca chamado André Gáia, que mora no Rio Grande do Sul, toma chimarrão, mas fala chiado! E ele aprecia muito esse estilo. Lembro que escalei com ele em Caçapava e o bicho era raçudo e não largava o osso por nada. Escalava e desescalada se fosse preciso, mas não desistia. Escalava a muerte!

André entrando à vista na Pedra da Lua em Caçapava do Sul.

Outro aspecto sutil sobre estilo: o clipstick. O clipstick surgiu não faz nem 20 anos. Quando eu comecei a escalar não tinha essa de clipstick. E também não tinha essa de 1a costurada, segunda então era “roubo”. Depois apareceu a técnica do pedaço de pau com esparadrapo e mais recentemente os clips comerciais e caseiros. Opinião e estilo pessoal: nada contra usa-lo, mas usar de forma indiscriminada é questionável. Porque chega uma hora que você começa a usar o clip no meio da via. Rola aquele medo do esticão de 2m, puxa o clip, passa a próxima e assim vai até o fim. Basicamente está escalando em top rope por parte.

Tempos atrás, o Adam Ondra levantou a bola do clip. De quem vai com a 2a, terceira costurada e tal. Dizendo isso facilitava a via. Ai, outra galera falou que pular costura, coisa que ele faz muito, também era trapaça porque “facilitava” a escalada. Enfim…

Teve uma vez que o austríaco Klem Loskot mandou uma via curta duríssima de pressão com a 3a ou 4a costurada, sendo que a via tinha, sei lá, umas 8 costuras. Muita gente chiou na internet dizendo que não valia e tal. Ai ele voltou lá e só para acabar com a polêmica, mandou costurando todas. E ai? Agora ele mandou a via ou só a repetiu?

Já no mundo das tradis, parece que a questão do estilo é mais ampla ainda. Há uma infinidade de estilos que podem ser usadas para uma ascensão. De coisas simples como encadenar com peças pré-colocadas ou até mesmo mandar uma via em uma puxada única sem revezar a ponta. A Ju Mello me falou um dia que para ela, “cadena” com peça pré-colocada não valia e também não valia publicar foto de via não mandada. Particularmente eu acho mais elegante mandar sacando peças, embora não invalide as minhas cadenas com as pré-colocadas, mas sempre que possível, gosto de colocar as peças.

Fine Jade (5.11). The Rectory. Moab-UT.

Outro estilo que acho massa é escalar sempre que possível em livre, sem roubar nas tradis. Nada de pisar em grampo,  sentar na corda ou roubar na peça durante uma via. Esse é um estilo que vem da esportiva e algumas pessoas tem levado a sério nas paredes. Alguns escaladores conquistam as enfiadas e depois liberam a enfiada na sequência. Ai vem as variações, como os dois mandam a enfiada guiando, sem revezamento, ou  seguem a enfiada quando apenas um dos dois manda a enfiada. Quem não se lembra do Tommy e Kevin na Dawn Wall? Eles começaram num estilo e terminaram com uma pequena mudança. Nesse linha, um estilo que gosto muito, mas que nem sempre é possível, é guiar e encadenar todas as enfiadas numa única puxada. O problema é que nesse caso você precisa de alguém que esteja disposto a “participar” de todas as enfiadas.

Lembro que em 2007 entrei na via Waldo na face norte do Pão de Açúcar (RJ) com o Alan. Na ocasião, queria fazer em livre todas as enfiadas, até chegar no A0 ou 7c da penúltima enfiada. Como estava encadenando todas as enfiadas, botei gana para passar o crux e fechar a escalada com chave de ouro, mas quando cheguei nos grampo do A0 amarelei. Além do lance ser difícil, os grampos estavam velhos e eram fininhos. O ideal seria trabalhar o lance, descer e repetir a enfiada, mas essa pegada eu ainda não peguei…

Éric no crux da 13a enfiada. Pedra Riscada, MG.

Já no mundo das conquistas há mais uma série de estilos que podem ser usados. Conquistar de baixo é o mais clássico de todos. Depois vem as variações como não usar corda fixa, não descer (estilo cápsula) e por ai vai. Também tem variações específicas como conquistar em solitária (com ou sem apoio), não usar furadeira… Nesse ramo gosto muito do estilo solitário e também de conquistar sempre em livre e não fazer furo de cliff, pois são coisas possíveis aqui no ES. Aprecio muito as conquistas da escaladora catalã Sílvia Vidal que é mais radical ainda. Ela conquista em solitária, sem apoio para porteio e ainda por cima sem comunicação satelital com o mundo externo. É comum nas expedições, ela passar dias só transportando o material até a base, antes de começar a escalada. Inclusive, esses dias ela conquistou uma via nesse estilo na Patagonia Chilena e quando voltou para civilização descobriu que o mundo estava de cabeça para baixo por causa da pandemia.

Uma coisa que aprendi ao longos dos anos foi que um estilo não é para todas as pessoas. Tem estilo que aprecio demais e acho lindo, mas é não para mim. Como por exemplo, escalar solo! No entanto, o mais importante é você ter definido dentro da tua cabeça qual o seu estilo. O que você considera uma forma elegante e honesta de fazer uma ascensão?

O intuito do texto é, além de ajudar a passar o meu tempo nessa quarentena, mostrar a definição e levantar a questão: Você tem estilo? Qual é o seu estilo? Se quiser, escreva nos comentários! Sempre gosto de saber o que as pessoas pensam a respeito.

Chamonix, França.

Comentários

4 respostas em “Questão de estilo”

Naoki !
Se tem uma coisa de estilo que eu aprendi com você é sempre escalar com camisa vermelha para foto!!! Depois desse beta parece que minhas fotos são tudo do mesmo dia porque sempre estou com a mesma camisa hahahahhah.
Brincadeiras a parte , o “estilo” de escalada mais engraçado sem dúvidas são as roubadas que acabam dando certo ! Aquela conquista com mochila pesada , uma aproximação para chegar em uma tradicional , uma via cheia de teia de aranhaou até mesmo uma trilha a noite.
Continue escrevendo !! Grande abraço.

Eu gosto de comer nutella na base da via, ou ainda castanhas caramelizadas! Acho que o melhor estilo é escalar feliz 🙂 kkkk não sei com quem aprendi o feito!
Como Eric disse hoje em dia se vê muito mais uma busca por grau do que por estilo, contigo nos treinos tirei minha fissuração por alcançar altos graus, claro que ainda sou motivada por isso por que é minha futura conquista própria, mas meu pai me diz para apreciar a escalada, sem pensar duas vezes, igual quando eu fico assistindo Naoki, Eric e meu pai (saudades de um murinho terça e quinta às 18 da tarde), treinando vejo a precisão dos pés, vejo ,sempre que possível, movimentos certeiros e pensados, são coisas lindas de ver, tiro muitos aprendizados todo treino e todo climb nos finais de semana. Acredito que uma escalada bem feita e com emoção vale muito mais do que qualquer coisa…

Grande post Naoki, este assunto é sempre enriquecedor.
Me fez lembrar de uma entrevista com o John Bachar que li na Rock and Ice. Em um determinado trecho ele diz o seguinte:
“ Style is important. How you climb something makes a statement about yourself. A ground-up onsight is the ultimate test, the real deal, and it doesn’t get the attention it deserves. Shitty gear, gnarly falls—it’s intense as hell to watch. The rest of climbing is essentially invisible toproping and gymnastics.”
Vale ler essa entrevista na íntegra.
Infelizmente hoje em dia vemos muita busca por evolução em grau e pouca busca por melhorar o estilo. Mas artigos como esse podem despertar a atenção a este tema. Parabéns!

Massa o post japa!

Desde quando comecei a escalar esse tópico sempre teve um forte efeito sobre mim. Um dos motivos foi um episódio com o saudoso Amaral, na minha primeiríssima trip de escalada, em abr/2012, quando fomos pra Apeninos:

… Era um dos primeiros pegas do dia… O Monstro encadenou a Castelo Ratimbum e eu pedi pra deixar as costuras pra provar a via na sequência… perdi o flash no crux e pedi pra descer pra tentar a cadena de novo. Mas assim que pisei no chão, começou a cair um pé d’água sinistroo pro meu desespero de novato – em ter deixado as costuras de outra pessoa na via.
Só que, enquanto o pessoal ia recolhendo tudo apressadamente pra vazar daquele aguaceiro… o Amaral me estende um seio da corda, como quem pede segue, e dando de ombros me disse: “fica tranquilo…” E assim foi escalando, literalmente na cachoeira, inabalado e executando cada movimento com maestria e precisão até o top…

Nesse dia o Amaral não só ampliou meus horizontes na escalada, me mostrando que escalar na chuva não era impossível, quem dirá no molhado… mas também me mostrou o que é ter estilo. Foi bonito de ver! Daquelas cenas pra motivar qualquer um.

Abs

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