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Via Ferrata no Pico do Itabira

Tudo começou com uma misteriosa luz no cume do Pico do Itabira em Cacheiro de Itapemirim – ES. No início acharam que era algum escalar pedindo socorro. Inclusive várias pessoas acionaram os bombeiros, mas logo se viu que não era escalador (o cume só é acessível escalando).

No dia seguinte, o mistério foi elucidado! Alguém colocou uma lâmpada no cume da montanha! Logo surgiu outra dúvida: como? Quem? Para que?

Descobrimos nas redes sociais que foi instalada uma via ferrata de quase 300m entre as vias “Face Nordeste” e a “Chaminé Cachoeiro”, na face mais íngreme da rocha e a lâmpada no final foi só “a cereja do bolo” dessa grande presepada.

Em países como a Itália e França, esse tipo de “escalada” é amplamente difundida ancorada em valores históricos e norteado por um rigoroso padrão de segurança. Vale lembrar que as ferratas foram construídas para fins bélicos (1a e 2a guerras mundiais) como um eficiente sistema de suprimento e mobilização de tropas nas regiões montanhosas dos Alpes. Após a guerra, estas rotas foram convertidas para fins recreativos. No entanto, no Brasil vivemos em uma outra realidade que é incompatível com a visão europeia, principalmente no que diz respeito à capacitação e segurança. Nós sabemos como são os brasileiros e tenho a absoluta certeza de que ali, em breve, irá virar “um show de horrores”. Já consigo ver gente subindo sem corda, amarrado em cinto, usando corda de sisal e por ai vai.

Outro aspecto que me preocupa é o passivo que foi criado. Vias ferratas, assim como vias de escalada, exigem manutenção constante para manter o nível de segurança exigindo e nós já sabemos como irá acabar. Temos muitos exemplos de ferratas e cabos de aço jogados à sorte só esperando um desavisado. Até mesmo na Itália vi ferratas antigas em péssimas condições de segurança por falta de verba para fazer a manutenção.

Além disso, o Pico do Itabira é a montanha mais importante do montanhismo capixaba e nacional, pois em 1947, o famoso escalador carioca Silvio Mendes e equipe conquistaram a primeira via de escalada no Estado, dando início à escalada capixaba. Via esta que foi considerada por muito tempo como a mais difícil do Brasil e que até hoje, mesmo com o advento dos modernos equipamentos de escalada, conta com pouquíssimas repetições.

E é nesse contexto simbólico do montanhismo que surge essa obra que consideramos uma verdadeira afronto à natureza, aos valores do montanhismo e a história da escalada brasileira.

Não sei até onde a coisa poderá ser revertida, mas já há um pedido junto ao Ministério Público solicitando a retirada imediata desse “elevador de butique”! Mas considerando o histórico, não tenho muita esperança, espero mais é que 2020 acabe logo porque esse ano foi só “show de horrores”.

Abaixo, transcrevo a nota de repúdio da Associação Capixaba de Escalada em relação à ferrata:

Nós, da Associação Capixaba de Escalada – ACE, entidade sem fins lucrativos fundada em 2003 e filiada à Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada, somos um grupo de pessoas que pratica a escalada por esporte e recreação e promove a atividade de montanhismo com segurança, responsabilidade ética e ambiental. Tendo como base os princípios e valores do montanhismo brasileiro, MANIFESTAMOS VEEMENTEMENTE NOSSO REPÚDIO À CONSTRUÇÃO DA ESCADARIA NO PICO DO ITABIRA, município de Cachoeiro de Itapemirim. Pois:

• O Pico do Itabira está inserido em um Monumento Natural e é o motivo principal de sua existência. Essa escadaria é incompatível com os propósitos da unidade de conservação que visa preservar o patrimônio paisagístico claramente afetados com a acintosa estrutura.

• O cume do Itabira foi alcançado pela primeira vez em 1947 pela primeira via de escalada do ES. Duas outras vias foram abertas posteriormente com elevada qualidade técnica e estética garantindo a esta montanha um valor histórico e simbólico ligado a escaladas de aventura de alto nível. Esta escadaria macula gritantemente o legado reconhecido nacionalmente e motivo de orgulho capixaba.

• A escalada pressupõe a superação de desafios impostos por formações naturais da rocha para serem vencidos com o desenvolvimento técnico, físico e mental de cada um. O trânsito por uma escadaria não constitui mérito esportivo algum e reduz a montanha, ao invés de possibilitar a evolução individual.

• Esta escadaria, em uma montanha famosa e imponente como o Itabira, abre precedente para que qualquer montanha seja reduzida da mesma forma a níveis técnicos muito inferiores aos impostos naturalmente pela formação rochosa, virtualmente sepultando a essência do montanhismo.

• O traçado da escadaria passa muito perto de duas vias de escalada clássicas, a “Face Nordeste” e a “Chaminé Cachoeiro” comprometendo a independência delas.

• Na contramão do princípio do mínimo impacto sobre o meio ambiente, que é adotado na abertura de vias de escalada, essa escadaria constitui uma aberração estética e foi construída às custas da devastação de largas faixas de vegetação rupícola.

• Toda escalada pressupõe uma dose de risco, que é conhecido, assumido e gerenciado por escaladores experientes devidamente equipados e preparados fisicamente. Essa escadaria facilita de tal forma a subida que se torna acessível a pessoas desinformadas, desequipadas e despreparadas física e mentalmente, expondo-as a risco de acidentes com possibilidade de morte.

• O sistema de segurança usado na escalada é composto por vários elementos tendo como base as ancoragens na rocha. Os vergalhões utilizados como degraus não oferecem resistência efetiva para segurar quedas.

• A atividade turística que se pretende explorar com essa escadaria também é incompatível com os propósitos do Monumento Natural em função do aumento do fluxo de pessoas e das alterações ambientais decorrentes disso.

• Anunciando a chegada ao cume pela escadaria, os autores ligaram um holofote. Segundo relato deles mesmo usaram 700m de extensão e dois transformadores conectados a uma tomada na base. Nos preocupa o risco desse aparato iniciar incêndio na vegetação. Até o momento estes equipamentos elétricos ainda estão lá.

Diante do exposto reiteramos nossa indignação, buscando que os danos sejam reparados.

Vitória, 02/12/2020

Leia mais:

http://www.femerj.org/nota-de-repudio-a-construcao-da-escadaria-no-pico-itabira/

https://www.blogdobugim.com/post/o-pico-do-itabira-es-e-o-perigo-da-turistificação

Comentários

Uma resposta em “Via Ferrata no Pico do Itabira”

Sou contra a escadaria,pois o povo não tem capricho com a natureza!

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