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Fissura das Deusas

Naoki, como se faz para dar nome às vias? Perguntou a Riva.

– Ah, não tem regra, mas uma das formas é dar nomes sugestivos para atrair outras repetições. Dar nomes como “via Travessia da Morte” ou “Variante Macabra” assustam as pessoas e ninguém vai querer repeti-la. Já nomes como “A fenda perfeita”, “Manjar dos Deuses”, “Fissura dos Deuses” são bons chamarizes.

– Fissura dos Deuses? Fissura das Deusas!

Pronto! Batizamos a variante da via “Boca Seca” na Pedra do Tubarão em Pancas!

A ideia dessa variante nasceu em meados do mês passado quando Fred e eu conquistamos a via “Boca Seca”. Na ocasião, vislumbrei uma variante da via a partir da P1 passando por uma fissura de dedo para outra até um platô. Como imaginei tudo de longe, restava saber se a fenda aceitava peças.

Nesse meio tempo, a Riva e a Maísa que treinam sempre no Muro da ACE falaram que queriam participar de uma conquista e logo me lembrei dessa variante. Em junho, durante a Abertura da Temporada de Escalada em Castelo, escalei com a Riva, Maísa e a Jana a via Normal da Pedra Pontuda em Castelo e sabia que elas tinham plenas condições para encarar uma conquista.

Na primeira data combinada, furei com elas para acompanhar a escalada inaugural do Forno Grande, mas no último final de semana conseguimos conciliar as agendas.

A conquista

Saímos no domingo, às 5 da manhã, numa “missão bate-volta” de (2x) 170km com direito a previsão de chuva para o meio-dia.

Como a pedra fica junto à rodovia que leva à cidade de Pancas, a viagem foi bem tranquila e rápida. Por volta das 8h já estamos separando os pesos. 1kg para mim, 4kg para elas…

Separando os pesos. Ao fundo, a Pedra do Tubarão. Você não dá nada para ela, mas é uma gema da escalada de Pancas.

Como abrimos a trilha há 2 semanas, ela ainda estava bem boa e não tivemos grandes problemas. Em menos de meia hora estávamos na base da via.

Por volta das 9h iniciamos a escalada com um olho na via e outro no céu para acompanhar o tempo. Repetimos sem grandes problemas a 1ª enfiada da via “Boca Seca” e a partir do platô, iniciei a conquista da fissura que tinha visto de longe. A primeira fissura se mostrou tranquila, mas difícil de colocar uma peça decente. Nessas horas, a melhor opção é “socar” várias peças ruins, para em caso de queda, alguma coisa segurar. A medida que ia progredindo na fissura, a parede ia ficando cada vez mais vertical e pior de proteger. Quando a fissura acabou, bati uma chapa e sai em travessia à esquerda para buscar a segunda fissura paralela. De longe, a fissura parecia estar logo ali, mas no meio da travessia parecia que não chegava nunca. E o para complicar, a segunda fissura não é visível, então você tem que acreditar que ela está logo ali. Assim que cheguei na fissura a segunda preocupação foi saber se ela era “escalável” e “protegível” com as peças que tinha sobrado. Por sorte, a fissura se mostrou mais fácil do que a primeira e aceitava peças um pouco maiores. Toquei até o final da fissura, bati uma parada dupla e chamei a dupla. De início fiquei um pouco preocupado com as meninas por causa da travessia. Nas travessias, não têm guia nem participante, é mano a mano. A Maísa passeou na travessia e a Riva também passou sem grandes problemas. Quando chegou na parada falou com aquele sotaque sergipana:

– Eu achei a travessia um IV SUP!

E eu fiquei pensando: caramba, para mim parecia um VII SUP!

Maísa na travessia e Riva no início da fissura da 2a enfiada.

Voltamos novamente à via “Boca Seca” até o grande platô que corta a pedra. Dali, eu tinha visto de longe uma possível variante no final do platô, no lado esquerda da pedra. Caminhamos pelo platô de vegetação e encontrei uma fenda, mas achei ela muito sem graça e segui. Antes do platô acabar e despencar num precipício na outra face, vi outra fenda, dessa vez mais vertical e mais fina. Olhei para cima e ela sumia de vista. Pronto, é por aqui mesmo!

P2!

Antes de iniciar a enfiada, a Maísa me avisou:

– Não se esquece que você deixou a furadeira na P2!

Nessa hora, a ficha caiu e vi que se eu fosse por ai tinha que sair obrigatoriamente por cima, pois não tinha volta.

A primeira parte da fissura se mostrou suja e vertical. A medida que ia progredindo, a pedra não dava arrego e as peças iam sumindo do meu rack como água. Como deixei outro jogo para trás para poupar peso, comecei a ficar preocupado. A certa altura, a fissura começou a ir para o outro lado da pedra, numa face mais vertical, me levando para um beco sem saída. Quebrei para face e toquei na esperança de encontrar um bom platô com fenda para fazer a parada. Por sorte, alguns metros intermináveis acima, achei um platô onde consegui montar uma parada exatamente com as últimas 3 peças do rack! Ufa!

Na saída da 4a enfiada. Foto: Maísa.

Chamei as meninas e dessa vez a Riva chegou muito “arretada” por ter caído na saída da enfiada. Pelo menos demos boas risadas! O bom de escalar com a Riva é que eu aumento o meu dicionário de expressões nordestinas!
Dali para cima, uma enfiada mais tranquila nos levou ao cume da pedra e por volta das 13h estávamos no cume comemorando a primeira conquista das meninas.

Foto no cume!
Assinando o livro.
Típica paisagem das montanhas de Pancas e o tempo virando devarizinho.
Descendo pela própria via.

Conquistar é muito diferente de escalar, exige mais planejamento, logística e um pouco de sorte. Sem contar que é mais trabalhoso e pesado. Espero que a iniciação não tenha sido traumática, mas sim bem proveitosa. A semente foi plantada. Quem sabe com tempo e mais experiência elas conquistem a primeira via delas. Condições e gana têm de sobre e pedra no Espírito Santo não será problema!

Sobre a variante, se eu achei a “Boca Seca” incrível, posso garantir que essa é melhor ainda. A 2a enfiada é, sem sombra de dúvida, uma das melhores enfiadas em móvel do Estado. Coisa fina que só encontrei nas terras do Tio Sam. E a 4a enfiada, muito fotogênica. Talvez mereça uma chapa antes do esticão final, pois ficou um pouco exposto e perigoso.

Croqui da via

Para saber mais sobre a Pedra do Tubarão, clique aqui!

Comentários

Uma resposta em “Fissura das Deusas”

Parabéns!!! Muito bom ler a saga: uma pitada de sorte, muito preparo e ainda bom humor garantido! Uma barquinha de repetição já está se formando.

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