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Militão

Há uns 12 anos, quando vim morar no Espírito Santo, surgiu um rumor sobre uma possível área de escalada no norte do estado. Foi descrita como uma floresta de blocos imersa numa mata exuberante, mas sem potencial por apresentar poucas agarras.

Sempre quis saber onde ficava esse lugar, mas nunca consegui achá-lo no Google Maps. Até que um dia o Iury encontrou um video no You Tube sobre um tal de Gruta do Militão em São Roque do Canaã. Na hora, associei a gruta com esse lugar e fiquei bastante curioso para saber mais sobre o local.

Enquanto estava fora, o Iury e a turma do Colaboulder fizeram duas visitas à região para negociar o acesso à pedra. De início, o proprietário foi bastante relutante em permitir o acesso, mas após algumas conversas, o pessoal conseguiu finalmente a autorização (com várias ressalvas).

No último sábado, Chuck e eu, juntamente com a Cíntia, Eduarda, Iury, Luca e Wesley fomos desbravar o local.

A área fica a leste da cidade de São Roque do Canaã, próximo à localidade de São Jacinto. Geologicamente fica no que os geólogos chamam de Lineamento Vitória-Colatina, uma feição estrutural de caráter regional que é possível observar claramente nas imagens de satélite. De fato, o local é bem singular. Numa rápida olhada, presumi que no passado geológico, ali tivesse um totem, ou até mesmo um pontão que pela ação erosiva desmoronou e formou uma enorme pilha de blocos, alguns com mais de 30m de altura. O empilhado de blocos formou uma intrincada rede de grutas, corredores e passagens estreitas.

Já rodei bastante esse Estado e é a primeira vez que vejo uma feição dessas. O mais próximo que já vi foi no setor Vale Perdido em Calogi que também se formou num processo bem parecido, mas numa escala menor.

Por ser um complexo de blocos empilhados, a caminhada e orientação são bem mais difíceis. Nessa primeira visita mal conseguimos ver tudo e muito menos explorar o potencial do local. Sem dúvida é um lugar que precisa bater muita perna para entender e conhecer todos os cantos.

Nessa primeira visita fomos direto a um bloco que o Iury classificou como o setor mais fácil. Um bloco negativo com vários buracos de uns 20m de altura que fica logo na entrada do setor.

Montamos um rapel e logo começamos a avaliar mais de perto os tais buracos. Logo vimos que a rocha era bastante decomposta com grandes lacas suspeitas. Conseguimos achar uma linha que evitasse essas lacas e ali nasceu a via “.50”, a primeira via do setor. A via ficou com aproximadamente 15m de extensão e o grau sugerido foi um 7b (aguardando novas repetições para confirmar o grau). Devido à qualidade da rocha, a 3a proteção não ficou no melhor lugar; por isso, há um runout entre a segunda e a terceira que exige um pouco de atenção. Se cair puxando corda é chão!

Luca equipando a via .50.

Depois dali, fomos num outro bloco, ali perto, e abrimos uma via em mista. A via, batizada de “Soldado Raso” começa numa placa tecnik protegida com duas chapas. Depois entra num diedro em móvel até virar o tetinho e seguir por mais três proteções fixas até o cume do bloco, totalizando 20m de via. Grau sugerido VI. Levar Camalot do #.4 até #1.

Conquistando a via “Soldado Raso”.

Já mais para o final do dia, voltamos as nossas atenções para um bloco que fica logo na entrada, onde vimos um bom potencial para alguns boulders e uma fenda frontal de mão. Nesse bloco abrimos dois V0’s, “Tiro de Festim”, um boulder que começa na aresta e “Tiro de Borracha” que começa um pouco mais a direita e junta com a “Tiro de Festim”. Mais à direita abrimos a “Tiro certeiro” uma fenda frontal de mão que acaba numa árvore. Escalei a fenda em móvel, mas é possível escalar em highball com alguns crashs (V0).

Agradecimento ao Iury e a turma Colaboulder pelo convite e por viabilizar o acesso. Espero voltar num futuro breve para seguir explorando melhor o local e conquistar novas linhas.

A turma!
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Yosemite 2023

Atenção: texto longo!

O meu “caso” com o Vale de Yosemite (Califórnia, EUA) já havia sido “resolvido” em 2014 quando fui pela primeira vez com Murilo, Zé e Sandro. No ano passado, em setembro, voltei novamente ao Vale, mas dessa vez com a minha esposa Paula para um passeio mais turístico. Naquela ocasião, enquanto “zanzava” pelo Camp 4, reacendeu a gana de escalar novamente naqueles granitos lisos, então secretamente, prometi a mim mesmo que voltaria mais uma vez ao Centro do Universo para uma temporada de escalada.

No início do ano fiquei sabendo que o “Caiçara” Daniel Casas iria voltar ao Vale em 2023. Cantei a pedra e combinamos que em meados do ano bateríamos o martelo, a depender da agenda dele.

Conheci o Daniel em 2000 ou 2001 quando estava descendo para Argentina com o Kava e passou uns dias por Ivoti para uma escalada. 

Em abril, quando batemos o martelo, iniciei os preparativos, pois sabia que o Dani tinha pretensões audaciosas. Tratei de fazer uma temporada bem consistente no Espírito Santo para chegar minimamente calejado ao Vale.

Mais para o final, o Otaviano Mones ficou sabendo da trip e entrou na barca para fechar a equipe.

O Otaviano é um crack master com ampla experiência em escalada de fenda com passaporte carimbando em vários países do mundo, incluindo também várias temporadas no Vale. Conheci o pela primeira vez em Piraí quando escalamos um dia no Setor Torre dos Ventos, com Ed e Willian.

Cheguei aos Estados Unidos com Otaviano, via Bogotá até Los Angeles, o Dani havia ido antes. Descansamos um dia na cidade e partimos de ônibus até Sacramento para pegar a velha van do Otaviano na casa do Zach. Dali cruzamos a Sierra Nevada passando por Lake Tahoe em direção leste.

Lake Tahoe

Em Lake Tahoe, passamos o dia no setor Lover’s Leap onde escalamos a famosa via Line (5.9). Uma fenda continua da base até o topo de uns 100m. Lover’s Leap sempre nutriu o meu imaginário pelo filme documental Master of Stone, onde o escalador Dan Osman faz um speed solo com direito a um bote duplo “hollywoodiano” no meio. Mesmo não escalando essa via, a visita valeu a pena. Sem dúvida um lugar para voltar com calma, pois há muita escalada de qualidade com acesso fácil.

Pacata Lover’s Leap.
Aproximação. A fenda é bem visível de longe.
Montes na saída da via. 5.9 sincero!
Cumbre!

Pine Creek

Dali, seguimos de van, que de tempo em tempo, precisava de uma pausa para resfriar o disco do freio para descer a Sierra Nevada e cair no deserto.

Descemos até Bishop, passando por Mono Lake e Mammoth Lake, sempre zanzando sem destino e planejamento. Viajar ao vento, sem destino e uma linha de chegada foi ótimo. Permitiu pensar muito mais nas coisas importantes do presente sem a ansiedade do futuro.

Amanhecer no Mono Lake.
Van life.
Banho de sábado, ou 5a feira.
Cozinhando.

Nesse lado do Sierra Nevada, o Otaviano me apresentou o Pine Creek, um pico de escalada perto de Bishop que lembrou um pouco Arenales na versão sem caminhada. Ali, ele me aplicou direto na via Sheila (VI), um diedro perfeito de mão de uns 40m toda protegida em móvel. Sheila foi a materialização do sonho da via Pig (V) no Behne em Ivoti – RS. Sempre que escalávamos essa via ficávamos falando quão legal deveria ser escalar um diedro de mão eternamente. E Sheila é justamente a versão infinita da Pig!

Pine Creek.
Diedro da Sheila. A via acaba depois da virada.

De Pine Creek seguimos zanzando rumo ao Vale de Yosemite pelo Tioga Pass. Para mim, esse passo é uma das estradas mais cênicas dos Estados Unidos. Já passei duas vezes por lá e nunca me dessensibilizo.

Vale

Chegamos ao Vale após uma semana rodando pela região e logo encontramos o Daniel no Camp 4, juntamente com o Claudiney (PR) e o Nick (BRA). 

Valley vibe!

No dia seguinte a nossa chegada, o tempo deu uma virada e passei os dois dias seguintes fazendo boulder com a galera local no Camp 4. Na trip de 2014 tivemos pouco tempo para fazer boulder no Vale, então esse tempo ruim calhou esse anseio. Os boulders no Vale não são fáceis. Requer um processo de entendimento e aprendizado, mas foi uma experiência muito bacana.

Dani num boulder estilo clássico de Yosemite.
Provando o clássico Bacher Crack (V4), só provando mesmo…

Após a chuva partimos para uma tarde de cragging pelo Vale, outra coisa que não fiz na primeira vinda que queria muito ter feito. Fomos ao Setor Reed Pinnacle’s onde escalamos dois clássicos do setor. Aquecemos num 5.10b, Stone Groove, que parecia fácil, mas não era. Depois fomos num 5.10c clássico do setor, Lunatic Fringe. Fendona de 40m de lamber os beiços, com um crux de placa no final que só passei porque sou “cria do granito capixaba”.

Esse dia foi muito importante para levantar minha moral, pois estava com muita dúvida sobre o meu desempenho e a tarde ajudou a calibrar onde eu estava no “contexto Yosemite”. Aqui, o fato de você escalar nono grau de chapa, não quer dizer nada. 

Dani mandando a via Stone Groove, parece fácil, mas é estranho.

Big wall

A princípio nós não havíamos combinado nenhuma escalada grande. Tínhamos apenas uma vaga ideia de fazer um big wall. Na temporada passada, o Dani havia tentado, sem sucesso, a The Nose no El Cap. O Montes também havia tentado a mesma via, porém numa outra ocasião. Então a The Nose seria a opção mais natural, mas o “narigudo” tem um grande problema: a fama, o crowd. Entrar na The Nose exige, além de experiência, uma boa dose de sorte para contornar todos os problemas de tráfego. Um fator que fica fora do nosso controle.

Pensamos na Freerider, via ao lado, mas o efeito solo do Honnold também deixou a via em evidência e consequentemente com muito tráfego.

A terceira opção mais acessível seria a via Lurking Fear, descrita no guia de escalada como o big wall mais fácil do El Cap. 

Embora fácil e mais curta, Lurking tem dois problemas: a aproximação, uma das mais longas do El Cap, 1h30 a 2h com peso; e o topout onde é preciso içar o bag por uma longa rampa.

Tirando isso, a via tem 19 enfiadas, grau máximo em artificial de C2+ e lance em livre de 4o grau. Caso opte escalá-la em livre na íntegra, o grau máximo é um 9c/10a. Pessoas normais escalam em 4 dias. Já imortais fazem em um dia, ou até mesmo combinam com outras vias na mesma puxada.

No fim, acabamos escolhendo a Lurking por ter menos tráfego. Agora, pelas novas regras do parque, é preciso emitir uma permissão de big wall junto aos guardas, o que permite ver quantas pessoas estão na via, teoricamente.

Face da Lurking Fear.

Usamos a estratégia padrão, um dia para porteio de material mais água, fixar as 3 primeiras enfiadas e entrar com tudo na parede no dia seguinte para mais 3 dias, duas noites. 

Separar equipamento já está no meu sangue, faço isso todo final de semana, mas nunca separei tanto material em uma única tacada. A lista era enorme e o fato de fazer tudo meio no improviso do camping deixou tudo mais complicado.

Separando os equipos.

Basicamente levamos 3 jogos de móvel até o #3, dois #4 e um #5 (tks Nick). Dois jogos de nut offset, 15 costuras, cliff de agarra, cam hooks, Aliens, RP’s e um jogo de Camalot offset. Além do básico de sempre, mosquetões, fitas, cordeletes, cadeirinha e sapatilha… Separamos 3 cordas, uma para guiar, uma para içar e uma tagline. Optamos por levar uma dinâmica para içar em vez de uma estática, pois em caso de dano na corda principal ainda teríamos uma segunda corda. Dica do Nick!

De água, levamos 8 galões, algo como 30L. Ou 2L de água por pessoa dia. 

De comida levamos comida liofilizada para janta e barrinha de cereal e cereais para o dia. Além de café, pão e repositor eletrolítico.

Como estávamos em 3, foi preciso levar um portaledge, pois os platôs acomodam apenas duas pessoas.

Tudo isso foi empacotado em dois haulbags que totalizaram 110kg (pesamos com uma balança de mão).

Não preciso nem dizer que o porteio foi o crux da escalada. Levamos 2h para fazer a aproximação, com direito a escalaminhada por corda fixa e ganho de elevação na ordem de 200m.

Porteio de material.

No mesmo dia do porteio, para adiantar o serviço, cada um guiou uma enfiada para deixar a via equipada até a P3. As duas primeiras enfiadas são um misto de artificial fixo com passada de cliff em agarras.

Ali começamos a entender que a via não seria tão fácil quanto imaginávamos. No nosso imaginário faríamos esse trecho em french free, mas não teve jeito. Como ninguém escala 8c Yosemite, tivemos que calçar o estribo da humanidade e subir em artificial.

A 1a enfiada ficou com o Montes que escalou rápido o primeiro trecho, mas no artificial levou um bom tempo negociando as passadas.

A 2a ficou com Dani que seguiu o bolt leader. Como ele e mais baixo que um americano médio, sofreu para buscar os lances.

Dani guiando a 2a enfiada. Foto: Montes.

A 3a enfiada ficou para mim. Seria o primeiro crux da via, lance de C2+, progressão em laca expansiva e um pêndulo com back cleaning para chegar na P3.

As passadas não foram difíceis, mas foi um banho de humildade para respeitar os conquistadores.

Na nossa repetição tínhamos 3 equipamentos que foram, a meu ver, essenciais, mas que os conquistadores não tinham a disposição na época: Totem Cam, em especial o preto. Tínhamos 3! Essa peça é fantástica!!! Peça coringa nos pitons scars e fendas finas; também levamos um par de Cam Hook, outra peça relativamente moderna que foi outro coringa. A rapidez e a consistência das colocações pouparam muito tempo onde, ao contrário, teríamos que ficar colocando micro nut e testando com peso. O terceiro equipamento foi o estribo estilo Yates! Usamos um da BD, mas o espírito é o mesmo. Em conjunto com as autos reguláveis da Petzl foi um grande adianto.

Da P3, descemos fixando duas cordas de 60m e dali baixamos para o Camp 4. Essa descida foi muito importante para nós porque permitiu fazer mais alguns ajustes finos de logística.

No dia seguinte partimos do C4 com a missão de levar os bags para a P3 e descer até a base da via para o bivaque.

Uma foto do antes!

O hauling inicial foi terrível! O conjunto estava muito pesado! Tive que usar um sistema de redução 3:1 para conseguir tirar o peso do chão. Para piorar, a parada vertical não tinha uma única saliência para apoiar os pés. 

Puxei os bags até o primeiro rapel, depois o Montes puxou até a P3 e descemos. 

O bivaque na base foi um misto de paz, ansiedade e expectativa. Noite mal dormida, vendo o céu estrelando e imaginando como seriam os próximos dias.

Até onde vimos, a via estava vazia. E nada indicava que alguém estava por entrar na via. Só havia uma dupla fazendo manutenção na via da esquerda e outra dupla na direita numa outra via. Ou seja, era nós contra nós mesmo!

A noite foi mal dormida. Às 4h estávamos em pé e logo nos atracamos nas cordas fixas a luz das lanternas, pois a agenda do dia estava bem cheia.

Assim que amanheceu dei sequência a escalada que agora seria em blocos para otimizar as transições.

Basicamente escalamos usando essa sequência: um ia guiando e assim que estabelecia a parada, fixava a corda. Pela tagline puxava a segunda corda do haul e também fixava na parada. O segundo subia pela corda fixa do haul e assim que chegava na parada montava o sistema de hauling. O terceiro liberava os bags e seguia pela corda do guia, limpando a enfiada e ajudando, caso necessário, a desprender os bags. Assim que todos, incluindo os bags chegavam na próxima base repetíamos o processo.

Basicamente usamos esse esquema em 99% dos casos. Só em um ou outro ponto fizemos alguma variação.

Toquei a 4a, 5a e a 6a enfiada, totalizando uns 100m. A navegação foi fácil porque basicamente via seguia o mesmo sistema de fendas. A dificuldade estava na seleção das peças, já que a fenda era quase sempre do mesmo tamanho. Tentei imprimir um bom ritmo, testando pouco as colocações para ganhar tempo e assumindo o risco de tomar um voo.

6a enfiada!

O sistema de progressão em artificial é uma coisa bem natural para mim, pois aprendi desde muito cedo lendo o livro Big Walls de John Long e John Middendorf (1994) durante a aula. Além disso, durante o longo voo de São Paulo até Los Angeles reli o eBook Higher Education de Andy Kirckpatrick (2018), onde pude dar uma reciclada nas técnicas mais modernas e relembrar outros detalhes.

O método de progressão seguia basicamente o seguinte sistema: escolhia uma peça, colocava na fenda e clipava um estribo com autorregulavem já presa nele. Progredia pelo estribo sem regular a auto e assim que chegava no ponto mais alto clipava o fifi no lugar mais alto do sistema, geralmente na própria peça. Olhava o lance seguinte, colocava a peça e clipava o outro estribo com a auto. Transferia o peso para o estribo superior, soltava o fifi e decidia se sacava a peça de baixo para usar mais acima, ou deixava para servir de proteção.

O processo era, por vezes, monótono, mas era divertido escolher as peças e fazer colocações criativas.

Assim que terminei o meu bloco, fui para o serviço sujo enquanto o Dani assumia o turmo dele.

Uma bela e fácil travessia à direita nos levou a outro sistema de fenda, dessa vez mais larga.

Dani guiando a 7a enfiada.

Na 8a enfiada, já com o sol se pondo no horizonte, o Dani pegou a enfiada mais exposta da via. Uma fenda larga de Camalot 4 a 5. Se tivéssemos mais um Camalot 4 e um 5, teria certamente sido muito mais tranquilo, mas com apenas um #5, o Dani deu uma boa fritada.

Montes limpando a 8a enfiada.
Na P8.

Assim que o Dani completou o turno dele, o Montes assumiu a ponta da corda com uma missão bem difícil pela frente: tocar mais duas enfiadas para fazer um pêndulo para fora da via até o ponto de bivaque indicado no croqui.

Enquanto ele guiava a 9a enfiada, fomos ultrapassados por uma dupla de escaladores locais que estavam fazendo The Nose e Lurking Fear em 24h. Devido ao cansaço, a dificuldade da enfiada e a falta de iluminação, os dois acabaram demorando bastante na ultrapassagem, o que nos deixou em maus lençóis. A 10a enfiada era um C2+, outro crux da via, mas a essa altura do campeonato, não tínhamos mais condições de tocar mais uma enfiada.

Assim resolvemos montar o ledge na 9a enfiada, num pequeno totem inclinado que mal servia para sentar, dormir então, sem chance. Com apenas um ledge, o jeito foi nos amontoar em três.

Fizemos a janta no ledge e logo nos preparamos para dormir. Estávamos tão cansados que montamos o ledge meia boca.

Assim que me deitei, não dormi, desmaiei de cansaço. Algumas horas depois, acordei sentindo um desconforto na perna. Olhei em volta e notei que fui escorregando no ledge. Também notei que o meu lado estava mais baixo que antes. Tentei me ajeitar para cima quando de repente, o lado oposto subiu repentinamente e num piscar de olhos, o ledge virou e fui jogado para baixo com o Montes caído por cima de mim e o Dani por cima do Montes.

Todo mundo acordou em pânico sem entender bem o que estava acontecendo. Tentei me mover, mas como os meus dois pés estavam dentro do saco de dormir, fiquei impotente. Tentei puxar a auto regulável, mas ela ficou acavalada e não travava com o peso. 

Esperei o Dani sair, depois o Montes, para finalmente conseguir me mexer. Enquanto isso, fiquei virado para baixo olhando o vazio negro abaixo de mim.

Refeito do susto, peguei uma rede que havíamos levado de emergência e rapelei uns 5m até encontrar duas fendas paralelas. Entubei um #5 num lado e um #1 no outro e estendi a rede num pequeno diedro que permitiu me deixar afastado da pedra. Sem dúvida, a experiência de montar rede nas paredes do Espírito Santo me ajudou a resolver esse problema com bastante rapidez.

Uns 15 minutos depois do ocorrido todos nos já estávamos deitamos novamente. O Montes e o Dani no ledge e eu na rede mais abaixo.

No dia seguinte acordei no susto. O dia já estava claro e os dois, mais acima, já estavam preparando o café. Sem dúvida, o dia e a noite anterior foram bem pesadas, pois costumo acordar antes do amanhecer.

Tentamos agilizar o café e a desmontagem do bivaque, mas a nossa moral estava baixa. O incidente do ledge abalou a moral, mas decidimos seguir escalando. 

Peguei o primeiro bloco da manhã para tentar ganhar tempo, pois com problemas da noite anterior o nosso cronograma ficou bem comprometido, pois nesse dia teríamos que chegar na 14a ou 17a enfiada onde há bons platôs.

Toquei até a 12a, fazendo mais um bloco de 3 enfiadas.  Durante a 10a enfiada, mais uma vez fomos ultrapassados por uma dupla escalando em speed. Mais uma vez fomos ultrapassados num lugar complicado, o que acabou nos atrasando um pouco.

A 12a enfiada foi outra travessia, dessa vez à esquerda que nos levou para dentro do El Cap, com isso conseguimos nos esconder um pouco do sol que estava castigante. 

Saída da 12a enfiada.

A partir dali, a pedra parecia dar uma trégua e finalmente me senti mais confortável, mais em casa. O Dani tocou o bloco seguinte com a missão de chegar antes do anoitecer na P14, local do nosso bivaque.

Hauling!!

O Dani chegou com as últimas luzes do dia na P14 e restou a mim e ao Montes limpar a enfiada. A escalada em si não era difícil, mas o hauling se mostrou bem trabalhoso.

Chegamos por volta das 18h na P14 e finalmente pudemos fazer um merecido descanso e montar o portaledge decentemente.

Mais uma vez jantamos comida liofilizada e logo fomos nos retirar aos aposentos. Dessa vez, o Montes dormiu no platô. Dani e eu no ledge que montamos logo acima do platô.

Voltar a dormir no ledge depois da última experiência não foi fácil, mas logo fui vencido pelo sono e desmaiei.

No dia seguinte acordamos antes do amanhecer. Ainda no escuro tomamos um café da manhã relaxante e, ao mesmo tempo, ansioso, pois teríamos outro dia longo pela frente. Da P14 teríamos que ir até a P19 e tocar até o cume do El Cap para bivacar! Ou seja, tínhamos muito granito pela frente.

Tocar cinco enfiadas num dia seria muito fácil e tranquilo se não fossem os bags e o hauling que consumiam muito tempo e energia.

Dessa vez o Montes começou puxando o dia tocando por um diedro que parecia escalável. E assim o fez, escalando quando dava e artificializando os trechos mais difíceis.

A 15a e a 16a enfiada seguem por um grande diedro, a sombra da pedra e protegido do sol. Tirando o hauling foi uma escalada agradável.

A 17a nos levou ao famoso platô do Thanksgiving. Uma enorme gruta comprida que nos jogou novamente à direita, para o lado mais exposto ao sol. 

Fazer o porteio pelo platô foi bem trabalhoso, pois não tinha como içar e tudo precisou ser no braço. Além disso, havia trechos mais expostos e com potencial de queda de pedra.  Jogar qualquer coisa para baixo no El Cap é extremamente perigoso porque sempre tem gente embaixo.

Coube ao Dani tocar as últimas duas enfiadas. Para mim sobrou o ingrato trabalho de içar os bags no pior trecho da via. Esse trecho é tão ingrato que muitas cordadas descem do platô sem fazer as duas enfiadas finais, mais o costão até o cume.

Mais uma vez tivemos que lutar contra o tempo para conseguir chegar no cume antes do anoitecer.

A 19a enfiada foi a mais dura em termos de hauling devido à inclinação da pedra e consequentemente do atrito. Naquela hora desejei muito que tivéssemos as leiteiras que usamos no Espírito Santo e não aqueles sacos que pareciam de velcro.

Tirando essa parte, a nossa chegada na P19 foi épica e emocionante. Para coroar a escalada, o sol que sempre nos castigava nos últimos dias deu um verdadeiro espetáculo de luzes que fez nos esquecer um pouco o cansaço.

Dani chegando no final.
Cumbre!!!!
Montes subindo pelas cordas fixas em direção topo do El Cap.

Na P19 empacotamos o que deu e fomos nos arrastando até o verdadeiro cume do El Cap. 

Levar tudo para cima foi muito cansativo, mas por volta das 20h estávamos reunindo sob um grande pé de pinheiro retorcido para o nosso bivaque final.

A janta foi novamente a base de comida liofilizada. Mesmo levando 8 galões de água, ainda tínhamos uma quantidade bem razoável para pernoitar. A nossa sorte foi que no primeiro dia, ainda na base da via, encontramos água numa pequena nascente. Segundo o guia de escalada, essa nascente só fica ativa durante a primavera com o degelo, mas esse ano, devido à primavera atípica, havia água ainda em outubro. Outro fator que nos salvou foi a posição da via em relação ao sol. Em geral, a via recebe sol somente à tarde, o que permitiu consumir menos água, principalmente pela manhã.

A noite foi bem animada e divertida. Mesmo cada um tendo uma história diferente de escalada, havíamos realizado um grande sonho, que, por vezes, parecia muito distante e impossível.

A sensação de estar no topo do El Cap saindo por uma via como Lurking Fear pela primeira vez foi algo indescritível. Os longos momentos de hauling permitiram pensar em muitas coisas, pessoas e sobre o privilégio de estar vivendo toda essa experiência.

Não demoramos muito para nos recolher aos sacos de dormir, pois sabíamos que no dia seguinte seriamos agraciados por um dos espetáculos mais belos do parque, o nascer do sol com o Half Dome de primeira plano.

Mesmo cansado dos dias de escalada, botei um despertador para não perder esse espetáculo desde o início.

Assim, às 6h da manhã, ainda no escuro, já estava em pé para ver de camarote o espetáculo do sol. Por sorte amanheceu com algumas nuvens, indicando uma virada de tempo à frente. As nuvens deram um ar mais dramático para o espetáculo do nascer do sol.

Só sei que na próxima 1h30, tirei muitas fotos. 

Nosso bivaque ao amanhecer.
Amanhecer no cume do El Cap.

Depois tomamos um café da manhã despretensioso e separamos a carga para jornada final da grande aventura, a descida do El Capitan até o fundo do vale. 

Preparando para descer.

A descida foi bem cansativa, devido ao peso, ao cansaço e a dificuldade da trilha que incluiu 4 rapéis, totalizando uma perda de elevação de aproximadamente 1000m.

Chegamos no fundo do vale por volta das 14h. Dali fomos direto ao lodge comer um hambúrguer e comemorar a escalada.

Foto clássica.

Matthes Crest

Depois do El Cap, descansamos um pouco e logo começamos a planejar a próxima escalada. Para mim essa seria a última escalada da trip. Por mim ficaria de boa no Camp 4 vivendo a vibe do lugar e fazendo boulder com pessoas aleatórias que iam aparecendo. Aliás, essa foi uma das coisas mais legais que fiz várias vezes ao longo da estadia. Pegava dois crashs, thanks Nick novamente, e saia perambulando entre os blocos até achar alguma coisa. Logo, alguém se juntava e em pouco tempo havia uma meia dúzia de pessoas de diferentes lugares do mundo dividindo betas e tomando espanco nos famosos V2 glassy do Camp 4.

O Dani lançou a ideia de fazer a Matthes Crest em Tuolumme Meadows. A ideia era interessante, por ser um estilo de escalada bem diferente em um terreno de altitude (3400m). Não tenho muita facilidade com altitude, sofro bastante acima dos 3000m. Então sabia que seria ralação. Meu corpo ainda estava cansado dos dias anteriores, mas era a oportunidade da vida.

Assim, na 5a feira, dia das crianças, nas vésperas do meu retorno, acordamos às 4h, Dani, Claudiney e Fábio para empreitada.

Rodamos do Vale até Tuolumme por quase 1h30 e assim que chegamos no início da trilha quase virei picolé! Sem dúvida a temperatura estava abaixo de zero. Logo, o Dani puxou um ritmo frenético para vencer o primeiro ganho de elevação. A trilha segue basicamente parte do John Muir Trail com ganho de elevação na ordem de 450m vencido em 3h de caminhada (10km).

Matts Crest.

Chegamos na base a crista por volta das 9h da manhã. Não preciso nem dizer que cheguei morto na base.

O Dani e o Fábio abriram o trabalho puxando o primeiro trecho da crista que consistiu em subir por uma aresta de IV grau até a crista da pedra. Depois, a escalada seguiu caminhando por essa crista usando, ou não, a corda para proteção. A escalada em si foi bem fácil. Fiz toda ela com tênis de aproximação e usando algumas peças para proteção, pois estava subindo em simultâneo com Claudiney, mais um brasileiro, de Londrina, que esteve pelo vale nessa temporada.

Mesmo a escalada sendo fácil, a falta de ar deixou a escalada mais comprometedora. Os reflexos ficaram mais lentos e as arrancadas não aconteciam na velocidade desejada.

Em pouco mais de 2h chegamos no ponto mais alto da crista, onde há um livro de cume. Dali para frente a crista segue, mas a maioria do pessoal desce dali em 3 rapéis de 30m.

No cume da crista.

Em 2014 escalei o Cathedral Peak com Murilo, Ze e Sandro. Foi o nosso batismo em Yosemite. E agora, quase 10 anos depois, voltar novamente a essa região para fazer a última escalada da trip foi uma espécie de fechamento de um grande ciclo.

Sem dúvida essa trip exigirá um longo processo digestivo de tudo que vivenciei nas últimas três semanas. 

Confesso que o relato está bem ralo em relação a toda experiência vivida, ainda continuo tentando assimilar as coisas, ao mesmo tempo que preciso voltar à rotina do dia a dia de trabalho. Não está sendo fácil.

Nas linhas finais faz se necessário agradecer o Otaviano pelas longas discussões políticas, ideológicas, filosóficas durante a primeira semana. E é claro por me aplicar nas gemas da Sierra Nevada. Agradecimento ao Dani por ter me convidado a voltar para esse lugar ímpar da escalada mundial e pela oportunidade de escalar o El Cap! Agradecimento ao Nick, pelas conversas, jantas, materiais emprestados e dicas quentes. Ao Claudiney por compartilhar a ponta da corda e o camping. Ao Fábio pelos momentos de conversa ao redor da fogueira. Ao Bonga e sua esposa que estiveram conosco no Camp 4. Aliás, o Bonga falou uma das coisas mais legais sobre definição de sorte: sorte é estar preparado para as oportunidades que surgem diante de ti! Agradecimento também aos brasileiros expatriados Bruno (Itália) e Murilo (Inglaterra) que também marcaram presença nessa temporada de outono.

Site 30, Camp 4!
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“Se nada der errado, tudo vai dar certo”

Em 2015, os escaladores Fabrício Amaral, Fábio Fábre “Chuck”e Léo Baião iniciaram a conquista de uma via numa parede que fica na descida da serra para Venda Nova do Imigrante (ES). Na ocasião, conquistaram duas enfiadas e assim que iniciaram a terceira enfiada foram surpreendidos pela chuva e tiveram que abandonar a conquista.

Parede do Vale das Pedras, junto a rodovia BR-262.

Desde então, o projeto ficou parada. Em 2019 perdemos o Amaral e o que ficou parada, estava fadado a cair no esquecimento, mas o Chuck sempre quis finalizar essa via, principalmente depois do que aconteceu com o Amaral. 

No início da temporada, Chuck e eu fizemos um acordo: ele me auxiliaria nas conquistas e eu o ajudaria a terminar essa via.

Temporada chegando no fim e nada mais justo do que cumprir o acordo. Assim, no último domingo fomos até Venda Nova do Imigrante para fechar a temporada em chave de ouro e tentar finalizar a via iniciada há quase oito anos.

Na semana anterior, o Chuck já tinha ido até a região para “refazer” o reconhecimento da via e acertar o acesso. Assim, quando fui com ele no domingo, tudo ficou muito mais fácil para mim.

Sempre que descia essa serra, meus olhos se voltavam para essa parede. Para quem escala e/ou conquista é algo muito natural, mas sabia que ali o páreo seria duro, pois tudo indicava que o granito era fino e bem homogêneo, ou seja, sem muitas agarras. A única forma de abrir uma via em livre seria aproveitando algum sistema de fraturas, ou nada feito. E sempre que passava ali procurava alguma dessas linhas, mas nunca a chegava a uma conclusão. Sabia que o Amaral tinha uma conquista iniciada, mas sempre achava que era um devaneio por parte dele.

Uma pedra é como uma grande tela onde nós, conquistadores, aproveitando o esboço deixado pelo Criador e pintamos uma linha de escalada. Cada pessoa tem uma visão, um entendimento do esboço. A maioria não vê nada diante de uma pedra, mas um olhar mais apurado consegue imaginar uma linha, um traçado, por onde possamos ganhar a pedra. Ter esse olhar exige tempo, paciência e acima de tudo, experiência que vem apenas com o tempo e muita ralação.

O Amaral foi um grande escalador ativo do Estado, com muitas contribuições para o esporte. Ele foi responsável por difundir o esporte em Venda Nova do Imigrante (Parede de Uliana) e criar a primeira geração de escaladores locais, além de construir um muro de escalada nas instalações do IFES. Mas ele ainda tinha pouca experiência na arte de “pintar pedras grandes”. Na verdade, essa linha foi a primeira incursão nesse mundo. Conquistar via tradicional é algo muito oneroso que requer investimento pesado e tempo disponível, coisa que Amaral, na época de universitário, não dispunha.

Chegamos na base da pedra por volta das 9h50, após uma rápida aproximação. O Chuck tinha uma certa dúvida em relação ao início da via, pois não lembrava com exatidão os detalhes da conquista. Rodamos um pouco a base e para mim não tinha nada mais óbvio do que a fenda que subia a perder de vista.

Deixando o carro no cafezal.

A primeira enfiada parecia muito tranquila, mas logo acima a parede ganhava inclinação parecia intransponível. Fiquei pensando o que o Amaral viu ali para seguia a linha por aí. Será que ele não tinha pretensões de subir tudo? Será que ele achava que aquela calha que eu estava vendo era fenda de verdade? Será que ele pretendia sair pela face? Será?

Saída da via e o grande headwall.

Comecei a escalada pegando a primeira enfiada que segue por uma bela e fácil fenda frontal. Uns 20m acima vi a parada e ficamos aliviados em saber que estávamos no caminho correto.

Estabeleci a parada num lugar desconfortável e fiquei pensando: por que a parada estava ali e não 2m abaixo, num platô mais confortável?

Olhei para cima e vi a linha seguindo por uma chaminé bem óbvia que naquele dia estava úmida e com musgos verdes devido às chuvas dos últimos dias.

Confesso que senti um certo conforto em saber que a próxima seria do Chuck. Como essa enfiada foi conquista por ele há 8 anos, seria um bom “revival”.

Separando o material.

Pela primeira vez vi o Chuck escalar com gana, botou para jogo em vários momentos e mesmo caindo nas peças na seção final do trepa mato tocou firme até a parada.

A próxima enfiada seguia por uma laca cega que virava uma grande oposição negativa. Da parada, vi duas chapeletas bem oxidadas pelo tempo junto a laca. O Amaral era um amante das escaladas em fenda, então sabia que só bateria uma chapa em último caso. Por isso, já sabia que a fenda não era “protegível”.

Conquistando a 3a enfiada. Foto: Chuck

Segundo o Chuck, durante a conquista, o tempo começou a virar nesse ponto e resolveram descer dali, no início da terceira enfiada, após bater duas chapas.

Peguei a ponta, até porque o Chuck estava um trapo após lutar no trepa mato. Mal conseguia dar segurança. Cheguei rapidamente na 2a chapa velha e olhei para cima para ver o que Amaral estava vislumbrando. A fenda cega seguia e depois virava um belo diedro. Parecia que ele estava no caminho certo. A linha era ousada, mas era bem coerente. Bati mais duas chapas e ganhei a base do diedro. Logo constatei que a fenda não era lá grandes coisas. Subi em artificial limpando para deixar pronto para passar em livre.

Ao fazer a virada do diedro consegui ver o que me aguardava para cima. Essa era uma parte que nem o Amaral havia visto e não sabia o que o aguardava. A linha seguia por uma laca cega até sumir na base do segundo headwall. Parecia fácil, parecia que dava para proteger, mas eu estava errado. Tive que subir numa mescla de artificial com livre até o final da laca. Estabeleci uma parada num lugar bem desconfortável após puxar 30m de corda.

Dali, a única opção seria sair em diagonal à direita com os pés num friso que saia em diagonal, apoiando as mãos num segundo friso que subia paralelamente ao primeiro.

Será que o Amaral havia visto tudo isso de longe?

Olhei para o Chuck, mas ele ainda seguia sem condições.

Fizemos uma recontagem das chapas e vimos que o estoque estava um pouco apertado em relação ao que estávamos vendo para cima.

Toquei a diagonal achando que ia “tirar de letra”, mas acabei gastando 5 chapas para vencer esse trecho, com direito a queda com furadeira na mão. Do final da diagonal já dava para ver o cume, ou a primeira linha de vegetação. No rack tinha mais 5 chapas, ou seja, teria 3 chapas para chegar o cume e mais duas para parada.

Toquei o trecho final por um terreno no mínimo “aventuroso” e estabeleci a parada na base da vegetação mais densa.

Famosa placa da Festa da Polenta.
Linha da via.

Enquanto esperava o Chuck subir, fiquei pensando na conquista e vi como a linha tinha a cara do Amaral. Ficou uma escalada relativamente curta, mas muito diversificada, onde tem um pouco de tudo. Na verdade, tem a assinatura do Amaral. Com certeza ele teria se amarrado em escalar essa via!

O Chuck chegou no cume por volta das 16h e aproveitamos para fazer um lanche antes de iniciar a descida.

Finalizando a conquista.

Na volta ainda nos “atracamos” num pé de jabuticaba enquanto pensávamos em um nome para via. Batizamos de “Se nada der errado, tudo vai dar certo”, uma frase muito proferido pela Amaral!

Agradecimento ao Chuck por ter me chamado para terminar esse projeto. Confesso que não vejo a hora de voltar lá para liberar as enfiadas!

Entardecer na região, ao fundo o Pico do Forno Grande.
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Setor Peroba

No mês passado, a Sarinha e o Cássio, após uma exploração pelo interior de Paraju, em Marechal Floriano – ES, descobriram uma parede com potencial para vias esportivas e anunciaram a descoberta num grupo de conversa.

Segundo eles, seria o novo Calogi! Uma parede de uns 60m de altura com uns 150m de extensão e muitas agarras!

Olhando as fotos, a primeira vista, lembrou um pouco a parede vertical de Soído. Dei uma olhada no mapa geológico do Espírito Santo e constatei que está inserido no mesmo litotipo.

Existe uma ampla região a norte de Marechal Floriano que se estende até Itarana onde não é comum encontrar afloramentos rochosos. O relevo é bem montanhoso, mas sem afloramentos. É uma região que nunca dei muita atenção e nem fiz muita questão de sair explorando.

Por isso, quando saiu essa notícia fiquei bem surpreso e até mesmo curioso em saber mais sobre o local.

A ideia de visitar o setor foi meio de última hora. Convidei o Graveto para escalar no domingo e ele falou que a Sarinha estava na pilha de apresentar o setor.

Como a Sarinha e o Cássio já tinham feito a frente, foi tudo muito mais fácil. Inclusive já estiveram antes abrindo toda trilha. Deixando o caminho livre para 1a investida.

Chegamos na parede por volta das 9h e fiquei bem surpreso com que vi. Primeiro pelo tamanho da parede. E depois, constatei que a parede era voltada para sul, ou seja, sombra o dia inteiro. Esportiva em face norte ninguém merece aqui no Espírito Santo.

Realizamos um rápido reconhecimento de toda extensão da parede com a Sarinha nos guiando e apresentando o potencial do lugar.

Conforme esperado e dentro do padrão, a parede é bonito, o lugar é incrível, mas senti falta de agarras. Na verdade, até tem bastante agarras, mas quando olhamos no detalhe, faltam agarras em seções de ligação. Nesse sentido lembrou muito Soído Vertical que aparentemente parece tudo liso. Esse é um tipo de setor que exigirá muito trabalho minucioso para encontrar as linhas corretas. Não será nada fácil abrir as vias e muito menos escalá-las!

Após o reconhecimento, concentramos os esforços no primeiro setor que fica logo na entrada por apresentar maior potencial para várias vias.

Começamos pela linha mais óbvia numa parede que mescla agarras e fendas. E assim abrimos a “Óleo de Peroba”, um V (talvez IV sup) misto com duas chapas, uma na saída e outra no final, antes da parada dupla.

Conquistando a 1a linha do setor. Foto: Sarinha.
Sarinha na via Óleo de Peroba.

Logo em seguida abrimos a “Óleo de Dendê”, outro V móvel com apenas uma proteção fixa. Ambas vias ficaram muito boas por mesclar elementos da esportiva com trad. Além disso, as vias requerem peças pequenas, algo bem incomum por esses lados.

Por fim, abrimos uma linha à direita, toda em fixa, que começa com um boulder maroto e depois segue até a virada do teto, batizada de “Óleo de Tandera”(7c).

Graveto na saída da via Óleo de Tandera (7c).

Ao longo do dia, a medida que íamos abrindo as vias, fomos trabalhando e encadenando, por isso todas as linhas já são vias e não projetos.

Por hora continuo sem previsão de retorno, mas estou bem motivado para voltar lá quanto antes.

Agradecimento a Sarinha pela escalada do dia. E ao Graveto por tirar todas as passadas da Óleo de Tandera.

Todas as vias estão protegidas com chapeletas de inox (Pingo) e parada de argola (Smile), graças da Associação Capixaba de Escalada que subsidia as conquistas no Estado aos seus sócios.

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O impossível é uma questão de tempo

Na última 6a feira, dia 8 de setembro, (feriado em Vitória) Eric Penedo, Thadeu Bastos e eu concluímos dois antigos projetos na Parede dos Sonhos em Itarana.

Esses projetos não estavam dentro dos nossos planos do dia, na verdade, o nosso plano original era bem longe dali: averiguar uma fenda em Águia Branca, mas acabamos caindo em Itarana… Como?

Tudo começou com o Eric querendo conferir uma pedra em Águia Branca, mas as condições meteorológicas, mais uma vez, não estavam favoráveis, mesmo assim resolvemos arriscar um tiro de quase 200km.

De última hora, o Thadeu, escalador carioca residente em Vitória, entrou na barca e assim tínhamos a barca da Independência.

Saímos de Vitória às 4h30 e logo na Serra começamos a pegar chuva. A chuva foi nos acompanhando até Colatina e assim que chegamos no contorno de Colatina, onde é possível ter uma ampla visão da região norte do Estado, vimos que o tempo seguia fechado com muitas nuvens para o Norte. Assim, resolvemos abortar a missão e partir para um plano B, pois sabíamos que nessas condições a melhor opção seria ir mais para leste, em alguma montanha que não fosse a primeira barreira de nuvem.

De Colatina, fomos por dentro até Itaimbé, Palmeiras, até sair em Itaguaçu. Para o Thadeu que nunca havia rodado por aqueles lados, foi um verdadeiro tour pelas montanhas capixabas para conhecer, nem que seja de dentro do carro, as principais montanhas da região.

Montanhas da região de Itaimbé.

Já em Itaguaçu, a tempo estava mais firme, parecia que não tinha chovido nos últimos dias. Assim, resolvemos ir até Itarana, onde no dia anterior cogitamos ir à Parede dos Sonhos para tentar livrar um teto.

O teto da Parede dos Sonhos é um projeto antigo. Desde a primeira vez que estivemos na pedra em 2014, sempre ficávamos namorando a fenda em oposição de uns 5m que corta por baixo do teto da esquerda.

Em 2016, fui atrás dessa fenda com o Gillan, mas quando cheguei na base, achei que não teria como passar em livre e resolvi sair pela direita, abrindo assim a via Boa Noite Cinderela.

No mesmo ano, juntamente com o Gillan e o Eric, iniciamos a Bom dia Cinderela, passando à esquerda do teto. Com isso, o trecho do teto ficou isolado entre duas vias e se criou a lenda de que a fenda era impossível de passar em livre. Poderíamos ter passado a fenda em artificial móvel, mas ninguém estava buscando esse tipo de escalada na época e o projeto ficou de molho.

Acredito muito na teoria de que as coisas não acontecem ao acaso. Se em 2016 dei meia volta, tinha alguma razão. Talvez eu não estivesse preparado, talvez não fosse a hora certa. Também não sabia se iria conseguir passar em livro agora, mas sempre penso que o tempo é a melhor arma para o amadurecimento, tanto técnico quanto psicológico.

Devido a todo esse role que demos, mais de 200km, acabamos entrando na parede somente as 10h50, quando o Thadeu pegou a ponta da corda para iniciar a primeira enfiada da via Xixi na Cama.

Chegando na P1 da Xixi na Cama.

Na P1 da Xixi na Cama, emendamos na Boa noite Cinderela passando pelo crux de 7a até a base do famigerado teto. A ideia era tocar tudo num único tiro, mas acabei consumindo muitas peças e o atrito estava difícil de gerenciar após puxar quase 50m de corda. Com isso, resolvi estabelecer uma parada mista bem na base do teto.

Acessando a base do teto. Foto: Eric.

Como o platô é desconfortável, apenas o Eric subiu para fazer a minha segurança e o Thadeu ficou no conforto do platô da P1.

Eric chegando na base do teto.

A visão do teto era intimidador, mas diferentemente de 2017, vi que seria possível passar em livre. Também vi que havia boas colocações que permitiria me arriscar mais. Foquei em tentar passar de primeira: First ascent à vista.

O famoso teto da Parede dos Sonhos.

A fenda tem uns 5m de extensão, na sessão inicial consegui me encaixar nos entalamentos e garanti boas colocações. Já na parte final, onde achei que fosse mais de boa, constatei que a rocha era duvidosa, tanto para entalar quanto para proteger. Consegui uma peça mais ou menos e fui para o tudo ou nada e logo consegui virar o teto e chegar na parada da Boa noite Cinderela.

Chamei o Eric enquanto o Thadeu acordava do sono profundo e subia pela corda fixa. Com a primeira missão concluída, partimos para segunda missão da tarde: terminar a via Boa dia Cinderela.

Eric limpando o teto enquanto Thadeu vem pela fixa.
Eric na teto da Parede dos Sonhos.

Em 2016, Eric, Guillan e eu iniciamos essa variante, mas ela ficou inacabada, faltando apenas uns metros para linkar na P5 da Sonho Molhado.

Da P1 da Bom dia Cinderela, tocamos mais uma enfiada até o high point da conquista (P2). Dali, toquei pela direita protegendo em móvel até ganhar uma face. Bati uma chapeleta e logo em seguida cheguei na P5 da Sonho Molhado. Pronto, era só isso que estava faltando!

Eric na 2a enfiada da Bom dia Cinderela.
Conquistando o trecho final da Bom dia Cinderela. Foto: Eric.
Conquistando a 3a enfiada.
Croqui atualizado com todas as vias da Parede dos Sonhos.

Devido ao horário avançado, resolvemos descer dali mesmo e adiantar a volta, pois estávamos na estrada desde às 4h e ainda tínhamos um longo retorno.

A volta não foi fácil, infelizmente pegamos um acidente na Serra que bloqueou a pista desde o final da tarde. Ficamos mofando no engarrafamento umas duas horas. Resultado, levamos quase 4h para cobrir 100km.

Entardecer em Itarana
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Despedida de Solteiro, 1a repetição

A história dessa via tem quase 10 anos! Em 2014, repeti a via “Nada é o que parece ser” na Pedra Paulista em Itaguaçu, com o DuNada e o Graveto. Durante a descida, descemos caminhando, visualizei uma linha na imponente face norte da pedra. Como descemos no escuro ficou difícil entender bem a linha, mas a ideia ficou na mente.

Em 2017, Eric, Cosme e eu iniciamos a conquista justamente naquele vulto de pedra. Naquele ano, realizamos duas investidas e fomos até a oitava enfiada.

Em 2020, voltei novamente, dessa vez com Tesourinho e o Eric para finalizar a conquista. Após dois dias, com direito a bivaque na P6, batemos no cume.

A via estava pronta, mas ainda estava faltando um detalhe: liberar duas enfiadas, as mais difíceis, a nona e a 1oa.

A ideia de voltar a via foi se procrastinando, mas no último final de semana, fui com Chuck resolver essa pendência para, finalmente, conseguir dormir em paz!

Sabia que a via era exigente, não só pelas enfiadas crux, mas pela obra como um todo. Todas as enfiadas são bem exigentes, hora fisicamente, hora psicologicamente. Além disso, a via fica com a face voltada para norte, com Sol o dia inteiro, então é preciso entrar num dia nublado de inverno, de preferência com vento, para levar menos água e os pés aguentarem as longas enfiadas em agarrência.

Também não sabia se era possível repetir a via em apenas um dia de escalada, principalmente por causa do cansaço acumulado ao longo das enfiadas. Daria para escalar em um dia, mas seria bem puxado, talvez chegasse sem energia e pés para aguentar o crux…

Muitas dúvidas, mas apenas uma certeza, tínhamos que voltar lá para saber.

Partimos no esquema padrão bate volta. Escolhemos o domingo porque a meteorologia estava mais favorável e também queria dar um tempo a mais para rocha secar, pois a semana foi bem chuvosa na região.

Partimos de Vitória às 4h15 e chegamos na base da via às 8h. E as 8h15 eu já estava puxando a primeira enfiada com a segue o Chuck.

Separando os equipos .
Aproximação.
Início da via.

Logo na saída, senti um certo desespero por encontrar a via úmida. Parece que tinha chovido, garoado, ou era a simples umidade do ar, mas confesso que fiquei bem apreensivo, pois a via exige muito atrito e a rocha não estava boa.

O Chuck pegou a 2a enfiada e logo já foi entendo onde estava se metendo. Ele ficava repetindo: Vovó Rodrigo que é um sábio em não ter aceitado esse convite! 

Chuck na 2a enfiada.

A 3a enfiada é a enfiada psicológica da via com longos estições em rocha sempre muito duvidosa. Para mim é a pior de todas!

Chuck na 3a enfiada.

Na 4a enfiada voltei a ponta da corda novamente. Seria muito injusto deixar a enfiada mais dura para o Chuck. Não é a mais cansativa, mas tem um boulder emocionante na saída.

Chegamos no platô da P4 por volta das 10h50. Segundo nosso hero plan, teríamos que escalar cada enfiada em 30 minutos para conseguir descer com luz. Logo estávamos atrasados em quase 1h. Mas estávamos dentro do nosso planejamento mais realista.

A partir da 5a enfiada, a via dá uma merecida trégua para os pés e segue por mais três enfiadas em chaminé média a estreita. Na verdade, você troca seis por meia dúzia, pois o sofrimento segue.

O Chuck pegou a 5a enfiada, a primeira das três chaminés. No croqui está escrito 40m, mas descobrimos que tem 55m. 15m a mais em chaminé é um mundo. Chuck sobreviveu, mas chegou com a pressão baixa na parada.

Início da chaminé

Subi com a mochila de segundo. Não sei o que é pior, guiar ou ir de segundo com uma mochila entre as pernas. Para otimizar a escalada subimos com apenas uma mochila de 22L, então ela estava um chumbo.

Como estávamos com tempo apertado, toquei na cola a próxima enfiada. Foi horrível! Dessa vez eu cheguei com a pressão baixa na parada. Naquele momento tive sérias dúvidas se iríamos concluir a escalada. Fizemos uma longa pausa para nos restabelecer no platô do bivaque e seguimos!

A bateria do Chuck já tinha arriado ali, então a partir dali fui tocando na frente.

Chegamos na nona enfiada com as melhores condições climáticas! Vento gelado, nublado com cara de chuva e rocha seca e crocante! Condição perfeita que não poderia ser desperdiçada.

A nona enfiada tem quase 60m e a escalada segue em agarrência constante. O segredo para mandar essa enfiada, e as outras, é pensar pouco a agir muito, pois se ficar testando cada mão, cada cristal suspeito, os pés não aguentam o tiro de 60m. Falar assim é fácil, mas é difícil agir rápido diante de um cristal estranho com a chapa longe. Tentei escalar o mais rápido que pude, tentei pensar o menos que pude, apenas ia subindo e contando as costuras. Deu certo!

Minutos depois, a nona enfiada estava liberada, mas o problema estava na 10 enfiada que é mais vertical e com um crux bem no final, nos últimos metros.

9a enfiada.

A essa altura eu já estava mais confortável com o terreno. Então a escalada saiu mais fluida. O difícil foi gerenciar o cansaço acumulado e o peso da corda. Já o crux final foi mais na querência e na “acreditância”.

Sempre que me sentia fraco, desmotivado ou cansado, ficava lembrando do filme Swissway to Heaven, onde o escalador Cedric Lachat despacha numa única temporada as tradis mais duras do país, uma atrás da outra. E ficava pensando: se ele consegue eu também consigo!

A partir da dali sabíamos que a via estava na mão, pois as últimas enfiadas são mais fácies. Tão fácil que de repente, quando olho para cima, vejo dois cachorros perdidos de um lado ao outro, se aproximando de mim. Fiquei em choque! Estávamos a uns 200m do cume e abaixo de nós um precipício de uns 400m. Se fosse um cabrito ok, mas eram dois cachorros bobões! 

Cachorros que escalam III grau…

Tentei não chamar a atenção porque não queria que viessem até nós. Após zanzarem mais um pouco perigosamente na rocha nua, eles sumiram e não vimos mais.

Tocamos as últimas enfiadas em modo flash, até porque até cachorro sobe por ali, e chegamos no cume às 17h 15, após 9h de escalada! 

Cume!
Última enfiada.
Livro de cume.

Agradecemos ao São Pedro pelo clima perfeito, bebemos o restante da água (levamos 2L cada) e iniciamos a longa descida pela via: 13 rapéis!

Após dois rapéis, a noite caiu e descemos o resto somente com as luzes da lanterna. Não foi uma descida fácil, mas chegamos no chão após 2h. Depois dali, uma breve caminhada nos levou ao carro e mais 3h até Vitória, com direito a um podrão em Santa Teresa para repor as energias!

Pausa na P6.

Valeu demais Chuck! Obrigado por ter topado essa!

Dicas para repetição

  • Face Norte, Sol o dia inteiro. Melhores condições: inverno, dia nublado e com vento;
  • Corda dupla ajuda nas enfiadas mais longas, mas não é mandatório;
  • Uma joelheira para 6a enfiada pode ser providencial;
  • Levar 3 cordeletes para abandono caso rapele pela via;
  • Repetimos a via em 9h. Uma cordada que não conhece a via levará mais tempo.
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3a edição do PAARE no Espírito Santo

Aconteceu na última semana, dias 23, 24, 26 e 27, a 3a edição do Curso de Prevenção de Acidente e Auto Resgate em Escalada – PAARE em Vitória, ministrado pelo escalador Ronaldo Franzen Jr., o Nativo (Marumby Montanhismo).

O Nativo é um escalador paranaense que faz parte da geração lendária do montanhismo brasileiro. Começou a escalar no final da década de 70 e segue escalando até hoje. Tem em seu currículo inúmeras conquistas no Paraná, além de ascensões importantes no maciço Fitz Roy e inúmeras expedições internacionais. Além disso, foi um dos fundadores do Corpo de Socorro de Montanha – COSMO, Paraná, criado em 1996.

O evento foi organizado pela Associação Capixaba de Escalada e teve 16 inscritos, dos quais dois eram do Corpo de Bombeiros do Espírito Santo e mais dois membros do Núcleo de Operações e Transporte Aéreo (Notaer) – ES.

A parte teórica foi realizada na 4a e 5a a noite nas instalações do Corpo de Bombeiros de Vitória. Já a prática, aconteceu na academia Toca no sábado e domingo, totalizando 24h de curso.

Na parte teórica foi dado ênfase na parte de gestão de segurança, um aspecto que, muitas vezes, não damos o devido valor, mas que é de suma importância, não só para o sucesso da escalada, mas para segurança na montanha. Nessa parte, a troca de experiência entre os escaladores e o agrupamento de resgate foi muito enriquecedor, pois quando a coisa apertar para o nosso lado, serão eles que irão nos ajudar a sair da situação.

Aula teórica no Corpo de Bombeiros.

Já na parte prática, relembramos algumas técnicas básicas e aprendemos novos procedimentos de autorresgate com material improvisado. Sem dúvida, essa prática foi a tônica do curso, onde pudemos colocar a mão na massa e compreender, sob condições controladas, como é difícil realizar manobras simples com uma vítima.

Muro da Toca
Tudo começa com um nó blocante!
Exercício em dupla.

Achei o curso bem proveitoso, mesmo tendo quase 30 anos de escalada, sempre tem muito aprendizado envolvido. Afinal de contas, as técnicas evoluem, os equipamentos mudam e novos conhecimentos são agregados.

Ao longo desses dias de curso, o grande aprendizado que levo é que um acidente é o produto de uma sucessão de erros. E a melhor prevenção é saber reconhecer os erros nas fases iniciais para nunca ter um acidente, pois as práticas mostraram que lidar com as consequências sempre serão muito mais difíceis do que a prevenção.

Outro aspecto importante que aprendi realizando as práticas: improvisos com nós autoblocantes funcionam, mas um ascensor mecânico tem suas vantagens (praticidade e velocidade). Notei que em vários exercícios, se tivesse um Gri-gri e/ou um ascensor, resolveria o mesmo problema com muito mais agilidade e velocidade. Será que levar um Croll a mais seria levar muito peso? Sou muito fã dessa linha fast and light, mas será que essa é melhor estratégia para o nosso cenário?

Exercícios no muro da Toca.
Da teoria à prática: Foto: Samira.
Imobilizando a vítima.
Crux do curso!
O teatro faz parte do treinamento.
Quando a vítima não ajuda..
Nativo!

Por fim, gostaria de agradecer o Chuck que ficou a frente da organização do evento e ao Nativo por compartilhar importantes conhecimentos a toda comunidade ao longo desses anos!

Foto da turma. Foto: Samira.
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Seis Estrelas

Seis Estrelas é o nome que Rodrigo e eu batizamos para recente conquista na Pedra Torta de Águia Branca – ES. Mas para entender um pouco mais sobre a história dessa via é preciso voltar um pouco no tempo e ler o post sobre a conquista da Fissura do Milagre que levou a conquista da via Jardim dos Cristais.

E justamente, enquanto conquistávamos a Jardim dos Cristais, visualizei um pequeno totem no outro lado, na Pedra Torta. Até onde aprendi sobre totens, em geral, são excelentes lugares para ter fendas e agarras. No entanto, as fendas laterias do totem são sempre diedros sujos e largos, sem potencial para vias. O segredo é sempre olhar no dorso do totem em busca de fendas e fissuras. Por isso, esse totem da Pedra Torta não se mostrou tão interessante, pois as únicas fendas estavam justamente nas laterais, sendo que uma das laterias era tomada de mato, restando apenas o outro lado.

Complexo de vias da Pedra Reta e Pedra Torta.

O lado esquerdo parecia promissor, principalmente no final, mas o início era uma incógnita, pois ficava na mata. Então só havia uma forma de descobrir: ir até a base!

Totem da Pedra Torta.

O objetivo da última escalada não foi essa, mas sim, voltar a via Jardim dos Cristais e liberar as enfiadas, principalmente a 5a enfiada, passada em artificial. E, se, porventura, desse tempo, dar uma pescoçada no totem.

Para essa empreitada convidei o Rodrigo. Em 2017, Rodrigo e eu tentamos abrir uma via na face oposta da Pedra Reta, sem sucesso. Então achei que seria uma volta justa para escalar, mesmo sendo pela face oposta, a pedra que um dia tentamos subir.

Chegamos a Águia Branca por volta das 8h. Passamos na mesma propriedade e tentei, em vão, explicar porque eu estava de volta, dessa vez, com outro amigo. Para algumas pessoas é difícil entender o que leva uma pessoa viajar 3h de carro para subir uma pedra sem ganhar nada em troca (financeiramente).

A aproximação foi tranquila, pois o pasto que há um mês estava mais alto, agora estava mais baixa pelos bois, mas mesmo assim a subida foi puxada devido ao sol que estava implacável.

Iniciamos a escalada às 8h30 com Rodrigo na ponta da corda para guiar a primeira fissura de 30m. Depois peguei a segunda para liberar, já que na conquista tive que parar para bater uma chapa. Entrei meio displicente na enfiada, achando estar com jogo ganho, mas logo descobri que a fissura seguia suja. Por falta de concentração, protegi mal a enfiada e logo escalei tão adrenado quanto da primeira vez. Lição aprendida, nunca menosprezar uma enfiada!

Na saída da via.

A 3a enfiada ficou com Guizzardi novamente que de brinde levou a 4a também. Essa, ele passou com maestria! Eu, por outro lado, escalei desleixado porque estava de top, entrei com a cabeça errada e quase cai! Pura falta de concentração e respeito pela própria via!

Rodrigo nao grande arco da terceira enfiada.
Curta, porém intensa 4a enfiada.

Chegamos na P4 por volta das 11h. A próxima enfiada, a 6a, foi conquistada em artificial, mas sabia que daria para passar em livre. O crux consiste num pequeno boulder em chaminé de meio corpo para ganhar uma agarra de mão. O lance deve ter uns 3m. Tentei com o ombro direito para dentro, do mesmo jeito que tentei na conquista, mas não consegui ganhar o lance. O Rodrigo sugeriu tentar com ombro esquerdo para dentro, mas também não consegui. 

Cada tentativa exigia muito esforço e força, àquela altura do campeonato não era o que eu tinha muito. Fiz uma longa pausa para tentar novamente. Apostei as fichas no ombro direito para dentro novamente e meio que na sorte consegui subir o pé numa pequena saliência que me levou a agarra da salvação. Fiz tanta força nessa saída que subi me arrastando o resto da enfiada.

Como sabia que o Rodrigo viria de segundo, resolvi fazer uma parada intermediária a uns 30m, em vez de esticar 60m de corda, pois sabia que com corda cheia, em caso de queda, o participante iria cair no platô, mesmo com a corda retesada.

O Rodrigo veio de segundo após roubar o boulder da saída e finalizamos a escalada na parada intermediária, sem tocar os últimos 30m de trepa mato até o cume da pedra.

Croqui atualizado.

Com isso, conseguimos descer toda via com apenas uma corda de 70m. E por volta das 13h já estávamos no chão para um merecido descanso, pois o sol estava castigante.

Almoçamos, nos hidratamos e ficamos ali jogando conversa fora, esperando o sol dar uma trégua.

Por volta das 14h fomos conferir o tal totem. Assim que chegamos no totem constatamos que a base do totem estava tomado de mato, mas por sorte, mais a esquerda, havia uma grande laca secundária toda limpa que poderíamos usar para contornar a parte sujo. Essa laca inicial se mostrou muito interessante com um belo crux em invertida logo na saída. Lembrou um pouco o crux da via Luna Crescente em Val di Melo.

Ofereci a ponta ao Guizzardi, mas ele falou que estava muito cansando. Então peguei a ponta e toquei a enfiada até ganhar a laca e estabelecer a P1 após uns 20m de puro desfrute por uma laca de mão bem sustenida.

Mais uma vez ofereci a corda para o Rodrigo, que outra vez me passou de volta para tocar a enfiada seguinte. Passei por um curto trecho de espinho e logo cheguei na base de uma chaminé estreita de uns 5m. Considerei tocar direto, mas a última peça era um nut numa laca podre, então achei melhor bater uma chapa para virar o lance. A chaminé me levou a um platô onde começaria o filé da via: uma laca de uns 20m contínua em fenda de dedo. Algo surreal e quase impossível de achar na lateral de um totem. Simplesmente fui escalando sem acreditar e pensando o tempo todo: agora vai sumir a fenda! Agora não vai mais ter como passar em livre! E nada de a fenda sumir. Simplesmente escalei incrédulo toda fenda até chegar no topo do totem após esticar 40m de corda!

No diedro da 2a enfiada.
No cume do totem.

Bati uma parada e chamei o Rodrigo que subiu, igualmente maravilhado com a fenda final.

Lá pelas tantas, ele soltou:

– Essa fenda é seis estrelas!

Assim nasceu a via “Seis Estrelas”!

Para futuras repetições, a dica é escalar a Jardim dos Cristais pela manhã e entrar na Seis Estrelas a tarde. Sem dúvida é a combinação perfeita para lavar a alma e aproveitar ao máximo o dia esse pequeno paraíso das fendas em Águia Branca!

Complexo da Pedra Torta ao entardecer.

Por fim, agradecimentos ao Guizzardi por dividir a corda na primeira repetição da Jardim dos Cristais e pela conquista da via Seis Estrelas!

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Escadaria para o Paraíso, 3a investida

Há duas semanas, quando voltei da 2a investida ao projeto “Escadaria para o Paraíso” na Pedra do Holandês em Itaguaçu, dei falta do meu Totem Cam Verde.

Um dos riscos que sujeitamos quando escalamos são as perdas matérias, seja por desgaste, quebra ou até mesmo perda. E quando o assunto é conquista, isso acaba se amplificando mais porque tudo é mais over e intenso.

Após uma verificação mais minuciosa concluímos que a peça deveria ter ficado na parede, provavelmente em alguma fenda. Atualmente, uma peça dessas é avaliada em R$500,00 no melhor cenário de aquisição, então não dá para simplesmente deixar para trás e comprar outra. Por isso era preciso voltar lá quanto antes, até porque a peça fica exposta às condições adversas que danificam o material. Uns anos atrás, deixei um molho de material móvel, também esquecido, na Pedra do Tubarão em Afonso Cláudio e tive que voltar na semana seguinte para fazer o resgate. Diferentemente de outros lugares, aqui no ES, as vias têm pouco tráfego para um resgate posterior via terceiros. Então se esqueceu, tem que ir buscar por conta.

O ideal seria ter voltado na semana passada, mas ainda estava estafado da última investida, então resolvi relaxar nos Três Pontões. 

Com isso resolvi organizar a busca para o último domingo, dia dos Pais.

Convidei novamente o Iury para empreitada e contei com o reforço do Chuck, mas o Iury achou que em 3 nessa via não iria render devido às longas travessias. De fato, na 2a investida, tivemos bastante dificuldade para gerenciar a travessia.

Assim, no fim acabei voltando apenas com o Chuck. Mas rodar 320km só para buscar um Totem não teria graça, então estabelecemos algumas metas complementares: um, liberar as enfiadas 5, 6, e 7; e, conquistar mais algumas enfiadas até o corpo não aguentar mais, ou o Sol se por, o que vier antes.

Amanhecer no Rio Doce.
Pedra do Holandês.
Separando o material.

Entramos na parede por volta das 7h 30 da manhã com o Chuck guiando a 1a enfiada. Aliás, horas antes, ainda em Vitória, quando o Chuck entrou no carro, já saiu com essa:

-Japa, acordei hoje com meu ombro doendo. Não consigo nem levantar o braço!

Chuck reclamar de dores não é novidade, mas sabia que a questão do ombro era mais séria, então falei que se o ombro reclamasse demais, abortaríamos a missão. Por isso, ele guiar a 1a enfiada foi importante para saber se daria para continuar a escalada.

Chuck na saída da via.

Assim que o Chuck chegou na P1, ele já avistou o Totem no início da 2a enfiada. A missão número um estava completada. Poupei R$ 500,00!

Totem Cam Verde perdido!

Como o Chuck achou que daria para seguir, partimos para missão dois: liberar as últimas três enfiadas!

Dessa vez, um guiava, o segundo subia participando e o fomos içando o haulbag com todo material de conquista, mais os mantimentos para o dia.

Como sabia que a parede ficava na sombra à tarde, levamos 2L de água para cada, mas o dia estava muito quente e abafado, indicando que 2L não daria conta. 

Chegamos na P4, por volta das 11h já bem cansados do Sol e da hauliada. Quando se escala em dupla, não tem descanso. Pior do que isso, só em solitária!

Chuck guiando a 4a enfiada.
Limpando a 4a enfiada.

Liberei a 5a enfiada e acho que um V seja bem adequando. Nessa enfiada, tanto o guia quando participante precisa ter condições de guiar esse grau, pois a enfiada é uma longa travessia com proteções espaçadas.

Saída da 5a enfiada.
Puxando um ar na P5.

A 6a enfiada, conquistada em artificial, saiu sem dificuldades. Acho que IV seja mais do que justo. Acho que o único problema dessa enfiada é a qualidade das colocações. As lacas não transmitem muita segurança; por isso, é bom colocar mais peças.

A 7a enfiada é uma das cerejas do bolo da via. É uma enfiada bem atlética com crux ao melhor estilo trik em placa finalizando com uma travessia em fissura invertida de dedo. Sugestão inicial de VI para enfiada. Talvez VI SUP, mas à confirmar.

Chegamos na desconfortável P7 por volta das 14h (com 2h de atraso em relação ao planejado). Preciso confessar que cheguei destruído. O conjunto, Sol, pouca água, sucessivas enfiadas duras e hauling complicado acabaram comigo. Foi difícil pegar a furadeira e partir para 8a enfiada, ainda mais porque a travessia não parecia nada fácil, mas sabia que uns 20m adiante iria encontrar uma bela laca que nos levaria a um platô. 

Repondo as energias.

O início da travessia se mostrou difícil. Pedra inclinada e esfarelenta renderam bons momentos de emoção, mas logo depois, as agarras surgiram e tudo ficou mais fácil até encontrar um trecho liso de uns 3m, antes de chegar na laca. Nesse dia, para poupar peso, deixei o jogo de cliff em casa, o que acabou se mostrando um erro de estratégia, pois sob condições normais iria passar esse lance em furo de cliff, mas sem muitas opções teve que ser em livre mesmo. Já a parte da laca se mostrou bem agradável e divertida. Assim que ganhei um platô descente, estabeleci a P8.

Da P8 já dava para ter uma boa noção do que nos aguardava: uma sequência de diedros em uma parede vertical.

A próxima enfiada parecia fácil. Ofereci a ponta para o Chuck, mas achou que um trecho de ligação poderia ser complicado e declinou a oferta. 

Em nome da curiosidade, mesmo cansado, parti para nona enfiada. O início saiu fácil, mas quando as lacas sumiram tudo ficou mais complicado. O ápice da enfiada foi encarar outra parede lisa sem os malditos cliffs. Mais uma vez tive que tirar a diferença na mão grande até ganhar o platô onde estabeleci a P9. Dali para cima, tínhamos duas opções: um diedro de 30m pela direita, ou outro de 40m pela esquerda. As duas pareciam difíceis, as duas eram sujas em alguns trechos e as duas eram intimidadoras. Na dúvida, achei melhor encerrar os trabalhos por ali mesmo (16h30) e iniciar a longa descida.

A descida não foi fácil, mesmo com uma linha estabelecida na investida anterior, o rapel é cheio de manha que exige uma boa dose atenção, mas no fim deu tudo certo e chegamos “doce” na base por volta das 17h45.

Valeu demais Chuck, por mais uma empreitada no Dia dos Pais. Em 2013 iniciamos a Pais e Filhos em Itarana e anos depois “tamo” junto novamente!

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Via das Gargantas, repetição

Se eu tivesse que escolher a montanha mais impressionante do Espírito Santo, essa montanha seria os Três Pontões de Afonso Cláudio, não só pela beleza, seu valor histórico no montanhismo nacional e capixaba, mas também por toda relação que criei ao longo dos anos.

Amanhecer nos Três Pontões.

Conheci pela primeira vez, meio que sem querer, em 2009 quando fiz um rolê pelo Estado para desbravar o interior, pois havia acabado de me mudar para o Espírito Santo. Mas foi somente em 2014 com Afeto, Zé Márcio e o Amaral que pisei pela primeira vez no cume da Principal e do Tubarão.

No seguinte, voltei com Robindo, Afeto e DuNada para concluir a conquista da Boca da Serpente, uma das conquistas mais memoráveis e incríveis que já fiz. 

Nesse mesmo ano, voltei novamente, mas dessa vez com Gillan para repetir a clássica Inferno na Torre no Dedinho. Nessa repetição, visualizei uma incrível fissura frontal de dedo na Agulha Principal. Semanas depois voltei com Robinho e o Sertã para conquistar essa fissura, batizada de Garganta Seca.

Logo em seguida, no mesmo ano, voltei novamente a Garganta Seca, dessa vez com o Gillan para fazer a extensão da via que levasse ao seu cume, nascendo assim a Garganta Profunda, a segunda via que leva ao cume da montanha, depois da via da Conquista.

No ano seguinte, em 2016, voltei com Eric para tentar liberar todas as enfiadas da Garganta Profunda, mas acabamos não conseguindo.

Essa pendência acabou ficando no campo da procrastinação e o tempo foi passando até eu perceber quer essa ano já estávamos em 2023!

Sete anos se passaram desde aquela missão com Eric. Parece que foi ontem. Na época, eu tinha trinta e poucos anos e já sou quarentão atualmente. Essa semana, enquanto arquitetava o plano de voltar a via com Chuck, ficava pensando sobre isso. Será que consigo dar conta do recado? Ou será que vou tirar de letra a via? Muitas dúvidas, e apenas uma certeza! Eu precisava voltar lá!

Em 2020, eu acho, o Guizzardi repetiu a via com Gillan e liberaram a enfiada que estava faltando, então eu já sabia que era possível escalar em livre na íntegra.

Mesmo tendo dúvida sobre meu condicionamento, precisava inventar uma moda para me desafiar, assim nasceu a ideia de emendar das duas primeiras enfiadas da Garganta Seca, totalizando 50m de escalada em fenda, por vezes até negativa. Para mim, escalar essas duas enfiadas em um único tiro sempre foi a linha mais natural, mas é uma escalada desafiante. Primeiro, teria que levar mais móvel do que o padrão. Assim, separei dois jogos e meio de friends e um jogo de nut. Além disso, teria o problema do atrito. Então imaginei que uma corda dupla ajudaria a reduzir o peso, mas, mesmo assim, seria preciso usar fitas longas e proteger mais espaçadamente a primeira enfiada.

Para o Chuck, essa seria a primeira vez na Principal dos Três Pontões e também a segunda vez na montanha. A primeira e única vez dele foi no Dedinho com o Amaral pouco antes dele partir.

A escalada

Assim como em 2016, usamos a mesma estratégia: bate-volta de Vitória, num único tiro. 

Os quatros cumes.

Saímos de Vitória, às 4h30 e chegamos no cafezal às 7h. Tomamos um café no carro, separamos os equipos e iniciamos a caminhada às 8h pela aproximação da face sudeste.

Café no cafezal
Caminhada

Tivemos um pouco de dificuldade no costão inicial de 150m porque a pedra estava úmida, o que acabou atrasando a nossa aproximação, mas às 8h30 já estávamos na base e às 8h45 o Chuck começou puxando a corda pelas enfiadas iniciais da via Inferno na Torre até a base do Dedinho.

Chuck na saída da chaminé.

Uma coisa que chamou a nossa atenção logo na saída foi que encontramos marca de magnésio em algumas agarras. Isso é um coisa muito rara por aqui, pelo visto alguém andou por lá nesses dias. 

Depois que a via Inferno na Torre entrou na lista das 50 Clássicas do Brasil, a montanha ganhou bastante movimento. Arrisco me a escrever que é uma das vias tradicionais mais repetidas do Estado.

Chegamos no colo entre o Dedinho e a Principal por volta das 10h20, após duas horas de escalada. Aproveitamos o conforto do platô e fizemos uma longa pausa para beber uma água e comer uns petiscos, pois dali para cima iriamos precisar de todas as energias. Pensando nisso, abandonamos alguns pesos extras, como água, comida extra e os tênis, tudo para ficar um pouco mais leve.

Às 10h45 entrei na fenda com a meta de emendar as duas enfiadas. Olhei para cima e confesso que deu vontade de desistir da ideia e escalar como gente normal. Mas quando lembrei do peso que trouxe para cima e da possibilidade de não saber quando iria voltar novamente, foquei na escalada e tratei de deixar a preguiça de lado.

O rack!

A estratégia no início da enfiada foi proteger o mínimo necessário para cortar o atrito. Cheguei relativamente bem na P1 e me senti confiante para seguir o projeto e toquei para emendar a segunda enfiada. O crux da saída saiu fácil, então sabia que dali para cima era só manter o ritmo e tocar sem fazer besteira.

A medida que ia ganhando altura, o atrito começou a incomodar. Além disso, no trecho final, o tijolamente foi outro problema a ser gerenciado, mas no fim deu tudo certo e bati na P2 após 45 minutos de escalada.

Na enfiada da fenda.

O Chuck subiu de segundo com uma mochila mais leve e entendeu o significado do nome da via “Garganta Seca”, na prática! Acho que essa via é mais vertiginosa que a Inferno na Torre porque por esse ângulo, dá para ver os dois lados do abismo sempre que olha para baixo.

Chuck no final da enfiada.

A P2 da Gargante Seca é uma parada suspensa e desconfortável. Pelo fato de a via ficar na sombra o dia interior e canalizar um vento gelado, passei um pouco de frio enquanto dava segue para o Chuck.

No conforto da parada.

Dali para cima, o plano era seguir revezando, mas o Chuck contou uma história bem triste de que havia ido dormir tarde, que havia acordado cedo, que estava se sentindo muito cansando e tal…

P2 da Garganta Seca.

Como sou fominha, nem me importei muito e segui tocando feliz da vida as enfiadas seguintes, dessa vez pela Garganta Profunda. O trecho final tem aproximadamente 60m e é toda em fixa com lances de agarrência em cristais sólidos. O problema desse trecho é a sujeira, que, na verdade, não é sujeira. Na verdade, são plantas, musgos, líquens e bromélias. A impressão que se tem é que você está escalando num jardim vertical. É muito bonito, mas dá um pouco de trabalho para achar as agarras e principalmente as chapeletas.

Por fim, cheguei na enfiada que eu havia caído na tentativa de 2016. A essa altura o Chuck já tinha abandonado de vez a ideia de revezar as enfiadas, então, nem precisei pedir para guiar essa, pois queria resolver essa pendência. 

O boulder saiu com um pouco de leitura, mas os meus problemas estavam, literalmente, longe de acabar por aqui. Não consegui achar a 4a chapeleta da enfiada. Procurei muito até desistir e pular o lance. Depois, quando o Chuck subiu de segundo, falou que a chapeleta estava escondida atrás de uma bromélia que cresceu depois da conquista.

Chegamos cume às 15h, após quase 6h de escalada. Nem me lembrava mais que esse cume era tão legal. Tivemos a sorte de pegar um dia bonito sem nuvens, que nos permitiu ter uma vista privilegiada de toda região.

Cume!!!

Assinamos o livro de cume e logo descobrimos que 20 dias atrás uma dupla havia chegado no cume pela via da conquista e 2 anos atrás, uma dupla de São Paulo havia repetido a via das Gargantas.

Urna do cume
Livro de cume.
Lendo o livro de cume.

Às 15h30 iniciamos a longa descida e após cinco longos rapéis chegamos na base e às 17h já estávamos no carro para pegar um belíssimo por do sol para fechar a escalada com chave de ouro!  

Aquele trato nos cordeletes.
Três Pontões ao entardecer.
Por do sol.

Agradecimentos ao Chuck por topar a maratona frenética e por ter me deixado guiar as enfiadas finais.

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